Escritor
e compositor teve algumas de suas maiores composições imortalizadas pela voz de
Elis Regina, como “O bêbado e a equilibrista”. Morreu aos 73 anos, no Rio de
Janeiro
O escritor, compositor e músico Aldir Blanc, em uma livraria da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, em uma imagem de arquivo, em 2006. Alaor Filho - AE
Aldir Blanc, compositor e escritor
brasileiro, morreu na madrugada desta segunda-feira, no Hospital Universitário
Pedro Ernesto, na Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro, vítima do
novo coronavírus. Ele tinha 73 anos e estava internado na UTI desde o dia 15,
onde foi diagnosticado com a covid-19, além de sintomas de infecção urinária e
pneumonia. Blanc deixou seu nome eternizado na música brasileira com
canções feitas em parceria com João Bosco, como O Bêbado e a Equilibrista,
sucesso na voz de Elis Regina.
Blanc deu entrada no Hospital Municipal
Miguel Couto com o quadro de infecção urinária e pneumonia no dia 10 de abril.
Contam os amigos mais próximos que na quinta-feira estava bem, e na sexta foi
levado de ambulância ao hospital. Sem recursos para manter seu pai internado, a
filha de Aldir, Isabel, pediu doações através de uma página no Facebook para
transferência de hospital e tratamento do artista. Mary Blanc, sua
esposa, também foi diagnosticada com o coronavírus, mas tem quadro
estável.
Nascido Aldir Blanc Mendes, no Rio de
Janeiro em 2 de setembro de 1946, ingressou no curso de medicina aos 20 anos e
se especializou em psiquiatria, mas deixou a profissão em 1973 para se dedicar
exclusivamente à música. Àquela altura, já havia feito sucesso com Amigo é
pra essas coisas, parceria com Silvio da Silva Jr. e vice-campeã do Festival
Universitário em 1970, fato que fez Blanc se juntar a Ivan Lins, Gonzaguinha e
outros para fundar o Movimento Artístico Universitário. Um ano depois, Ela,
composição sua com César Costa Filho, foi gravada por Elis Regina. E, em 1972,
pela primeira vez a célebre cantora escolhe uma música escrita por Blanc e João
Bosco para seu disco, que iniciaria a trajetória de sucesso do trio: Bala
com Bala.
A partir dali, Elis passou a receber as
novidades de Blanc e Bosco em primeira mão. Depois de O Mestre-sala dos
mares e Dois pra lá, dois pra cá, a dupla de compositores assinou sua
música mais famosa em 1978. A inspiração veio no Natal de 77, a partir da morte
de Charles Chaplin naquele dia. “Caía a tarde feito um viaduto / e um
bêbado trajando luto / me lembrou Carlitos” são os versos que abrem a canção,
em memória ao personagem mais famoso de Chaplin. O viaduto faz referência ao
Elevado Paulo de Frontim, no Rio de Janeiro, que ruiu em 1972, dois anos após
sua conclusão, matando 29 pessoas.
Ainda na letra, o verso “choram Marias e
Clarices”, em referência às viúvas de Manuel Fiel e Vladimir Herzog, brasileiros
mortos nos porões do Governo militar, marcou a posição política da música em
tempos de ditadura. O “Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil” pede a
anistia do sociólogo Herbert José de Sousa, irmão do cartunista e exilado do
país desde 1971. Gravada por Elis Regina em 78 e por João Bosco em 79, a
intitulada O Bêbado e a Equilibrista se tornou o hino informal
da Lei da Anistia de 79, responsável por trazer de volta alguns dos
brasileiros exilados pelos militares.
Blanc e Bosco se separaram em 1982, de
acordo com os dois, sem brigas. O reencontro viria somente em 2002, para
regravar O Bêbado e a Equilibrista. Durante a separação, Aldir trabalhou
com outros músicos, como o violonista Guinga, Moacyr Luz e Cristovão Bastos.
Aristas, escritores e amigos homenagearam o compositor na manhã desta segunda.
“Bosco e Blanc cunharam grandes pérolas e eternizaram momentos importantes na
história da nossa música”, escreveu Samuel Rosa, vocalista do Skank, em seu
Instagram. Na mesma rede social, João Bosco deixou uma mensagem simples de luto
nos stories. “A poesia acorda triste com a partida de mais uma caneta que
nos inspirou a sonhar”, postou Emicida no Twitter.
Biógrafo de Blanc (Aldir Blanc -
Resposta ao Tempo, 2013), Luiz Fernando Vianna descreveu os últimos anos do
artista como uma “reclusão quase permanente”. Segundo ele, consequência de uma
“fobia social” que desenvolveu a partir de um grave acidente de carro, em 1991,
que limitou os movimentos de sua perna esquerda. Tinha diabetes e, há mais de dez
anos, raramente fumava ou bebia. Vianna conta que Aldir nunca saiu do Brasil,
mas viajava na sua obsessão por livros dos mais diversos assuntos.
Aldir Blanc deixa duas filhas do primeiro
casamento, Mariana e Isabel, e mais duas de criação do segundo, Tatiana e
Patrícia. Também deixa cinco netos e um bisneto. E também um legado na história
da música brasileira, para quem “sabe que o show de todo artista tem que
continuar”.
Autor: Diogo Magri – El País
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