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1 de fevereiro de 2020

O obscurantismo negacionista no Itamaraty - Parte I - Ernesto e os Extremos!

Vocês algum dia imaginaram ser esse lixo paranoico o tipo de leitura adotado e recomendado por um ministro das relações exteriores do nosso país (Print do Twitter de Ernesto Araujo.
Tudo no atual "governo" do Brasil é bizarro. De um ministro do meio ambiente cujo papel é obviamente o de acelerar a devastação ambiental a um ministro da educação que aposta no desmonte do ensino público, de um por um, até, claro, a bizarrice-mor que ocupa a presidência. Mas mesmo em meio a esse circo de horrores, uma figura se destaca, por ser o que melhor expressa o olavismo, o negacionismo climático e a ideologia anticiência em geral. Trata-se de Ernesto Araújo, ocupante do Ministério das Relações Exteriores, uma figura que abraça com força a paranoia das ditas teorias de conspiração e cuja posição sobre a questão climática já antecipamos aqui mesmo, em nosso blog.
A bizarrice do chanceler se espalha em tudo aquilo que ele resolve opinar a respeito. O nível de delírio é tão medonho que ele chega a afirmar que "a esquerda quer uma sociedade onde ninguém nasça, nenhum bebê, muito menos o menino Jesus". Mas como aqui a nossa praia é mudança climática (diferentemente do novo diretor do INPE), vamos nos deter à pérola do chanceler neste tema.
Também por intermédio do Twitter do ministro, fiquei sabendo que ele havia cometido um texto intitulado "Falsas aspas, falsos modelos", o que me motivou a responder também no Twitter, começando na mesma noite, mas se estendendo pelos dois dias seguintes. Resolvi, então, colocar aqui, de maneira sistematizada e melhor estruturada, a resposta ao delirante Ernesto. Vamos lá!
Imagino que a motivação do ministro para escrever tanta bobagem tenha sido a série de reportagens que se seguiram à declaração dele, negando o aquecimento global com base no fato de que "estava frio em Roma". Ou seja, era a velha confusão entre tempo e clima. Mas ao colocar por escrito, alegando que "não era bem aquilo que queria dizer", veremos que Ernesto só piorou a sua própria situação...
Como é que o ocupante do Itamaraty trata a questão dos eventos extremos de tempo? Afirmando que "qualquer fenômeno específico que pareça comprovar essa convicção [de que existe aquecimento global], como um recorde de calor em algum lugar, tende a ser amplamente reportado, ao passo que um fenômeno que pareça desmenti-la é rejeitado e não aparece com destaque na mídia".
Razão entre extremos mensais de calor e de frio, no mundo, desde 1880, com projeção para as próximas décadas. Fonte Coumou et al. (2013)
Para o chanceler, é como se extremos de calor estivessem sendo indevidamente usados para confirmar o aquecimento global, enquanto eventos frios estariam sendo ignorados. Isso faria sentido se a ocorrência de extremos de calor e frio fosse equivalente, como seria de se esperar num clima em equilíbrio. Acontece que todas as estatísticas demonstram que a frequência de extremos de calor é, hoje, bem maior do que a frequência de baixas temperaturas. Cinco vezes para ser mais preciso.
É o que demonstra o artigo de Coumou et al., de 2013, na revista científica Climatic Change. Aliás, como mostra a figura do artigo (que reproduzimos aqui), a partir dos anos 1980, a quebra de recordes de alta temperatura passou a ser mais de duas vezes mais frequente que a quebra de recordes de baixa. Hoje em dia, a proporção é de 5 para 1, podendo chegar a 10 para 1 até mesmo antes de 2030.
Mesmo que isoladamente nenhum evento de tempo seja necessariamente representativo, há, portanto, uma óbvia assimetria aqui. Usar uma onda de calor extremo de maneira ilustrativa para a tendência observada de aumento da frequência desse fenômeno é legítimo, especialmente se for feita a ressalva sobre a estatística de eventos. Já usar um episódio de frio cuja frequência é cada vez menor para tentar "refutar" o aquecimento global, aí sim, é uma manipulação flagrante. Trata-se de querer vender como regra aquilo que é, cada vez mais, exceção.
Na verdade, com noções elementares de estatística se torna fácil entender porque extremos como os recentes eventos de calor extremo na Europa e no Alaska devem se tornar cada vez mais frequentes, ao passo que recordes de frio vão ficando mais e mais raros. Com um pouquinho de esforço, talvez até o ministro seja capaz de absorver o conceito.
Considere a figura abaixo, que mostra uma distribuição de temperaturas para uma determinada região. Em geral, a maior parte dos registros acontece em torno da média para aquele período do ano, como mostrado na curva amarela. As frequências de eventos frios e quentes são proporcionais, respectivamente às áreas coloridas em azul e amarelo próximo às extremidades da curva.
Em outras palavras, temperaturas muito mais baixas que a média são relativamente raras, assim como temperaturas muito mais altas. Mas sem que haja uma mudança no clima, a estatística permanece a mesma e a frequência de eventos frios e quentes permanece equivalente.
 Mas o que acontece quando a própria temperatura média aumenta? A distribuição como um todo se desloca, como mostrado na curva vermelha. Nesse caso, a área em azul sob a curva, à esquerda, correspondente à frequência de extremos de frio, diminui. Em contrapartida, a área em amarelo, à direita, correspondente à frequência de extremos de calor, aumenta. A proporção entre as duas, que antes era de um para um, muda radicalmente. E o que também acontece é que a chance de quebra de recorde de calor se torna bem maior (área vermelha).
Para o chanceler, a atenção dada às ondas de calor (que além de mais frequentes estão cada vez mais perigosas e até mortíferas) teria o mero propósito de validar a "conspiração globalista". Também conforme o pensamento distorcido de Ernesto Araújo, a conspiração também deve estar escondendo recordes de frio. Mas como mostramos aqui, o único tipo de extremo que está tão frequente quanto as ondas de calor são os extremos de delírio conspiracionista do chanceler. Ou o extremismo político-ideológico a que ele é afiliado e que se traduz numa paranoia conspiracionista e anticiência.
Mas esse equívoco evidente é só o começo... Ernesto segue, aventurando-se a falar de Paleoclima, então imaginem o que vem por aí! Mas isso é papo para a Parte II da resposta ao ministro. Até lá!

Autor: Alexandre Araujo Costa é cientista do clima.

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