O Estado conta
com cerca de 450 barragens e pelo menos 22 delas não têm garantia de
estabilidade
Vista aérea da região de Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte, onde se rompeu a barragem Mina do Feijão. Douglas Magno - AFP
Miraí, em 2007, Macacos, em
2001, Mariana, em 2015. E agora Brumadinho. Os rompimentos de
barragens em Minas Gerais remontam a 1986, quando foi registrado o
primeiro acidente desse tipo, e as consequências são, historicamente, as
mesmas: assoreamento de córregos e rios, cidades destruída pela lama e vítimas
fatais. O Estado conta com cerca de 450 barragens e pelo menos 22 delas não têm
garantia de estabilidade, de acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad). A Mina do Feijão, da
mineradora Vale, em Brumadinho, que rompeu nesta sexta-feira e deixou pelo
menos mortos e mais de uma centena de desaparecidos, estava "devidamente
licenciada" e não recebia rejeitos desde 2015, diz a Secretaria. "Isso
só mostra que não temos noção do tamanho do risco que há em Minas Gerais.
Cidades inteiras podem desaparecer de uma hora para outra", afirma
Guilherme Meneghin, promotor responsável pelo caso do desastre de Mariana.
"É uma tragédia anunciada. É
a quarta ou quinta ruptura de barragem nos últimos anos com esse caráter
tão calamitoso", concorda Marcus Vinícius Polignano, coordenador do
Projeto Manuelzão da Universidade Federal de Minas Gerais, que monitora a
atividade econômica e seus impactos ambientais nas bacias hidrográficas. Um dos
problemas apontados tanto pelo promotor quanto pelo professor é que as próprias
licenças de estabilidade são conseguidas depois de uma auditoria contratada
pelas próprias empresas. "É uma furada", resume Polignano.
Os especialistas ouvidos pelo EL PAÍS
falam de uma "repetição de Mariana", apesar das diferentes proporções
—enquanto a barragem de Brumadinho armazenava uma tonelada de rejeitos, a de
Mariana armazenava 50 toneladas—. A estrutura de ambas, no entanto, era
similar: eram barragens à montante, o modelo mais barato, construídas a
partir da compactação de terra. Essas barragens começam com a construção de um
dique e um tapete drenante, que serve para eliminar a água no interior da
estrutura. "Se esse tipo de barragem não tiver um sistema de drenagem
muito bom, a água vai filtrando, pouco a pouco", explica Polignano.
"Hoje nem estava chovendo na região, não houve nenhum fenômeno externo, a
estrutura rompeu devido à sua própria fragilidade. Não havia segurança",
acrescenta.
O aumento desse tipo de barragem, ou
alteamento, como é chamado, é feito com o próprio rejeito em direção à
barragem. Tanto em Mariana como em Brumadinho, essas construções foram feitas
acima de zonas de aglomeração humana, como cidades e povoados. "O
licenciamento ambiental é ridículo no Brasil. Para as empresas, é
economicamente favorável construir esse tipo de barragens, mas elas representam
um risco. Se a lei proibisse a construção de barragens à montante acima de
comunidades humanas, como fazem muitos países, teríamos menos desastres",
critica Meneghin.
Outro tipo comum é a barragem à
jusante, considerada mais segura, apesar de ser mais cara. Esta também começa
com a construção de um dique e do tapete drenante, mas o alteamento é feito
para o lado externo da barragem e não usa o próprio rejeito. Normalmente, se
usa argila e pedregulhos, retirados de outro ponto da mina, em vez de água,
para evitar filtrações e eventuais rupturas. Há três anos, depois do maior
desastre ambiental do país, organizações civis mineiras apresentaram à
Assembleia Legislativa do Estado o Projeto de Lei de Iniciativa Popular
"Mar de Lama Nunca Mais", para exigir maior rigor no licenciamento de
barragens e demandar que essas fossem construídas à jusante. O PL nunca foi
votada. "É lamentável que mesmo depois de um crime ambiental do tamanho de
Mariana não conseguimos mobilização política para fazer mudanças nesse
sentido", diz Polignano, um dos impulsores do PL.
Reparação
A lama decorrente da ruptura da
barragem de Brumadinho destruiu o córrego do Feijão, afluente do rio Paraopeba,
uma importante bacia hidrográfica do ponto de vista do abastecimento público.
Os especialistas afirmam que a biodiversidade da região terá sequelas
permanentes. “O rejeito de minério da Mina Feijão é parecido ao que atingiu o
rio Doce e mata toda a fauna e flora aquática. A descontaminação é muito
difícil. No rio Doce, por exemplo, a água não voltou a apresentar condições de
uso”, explica Malu Ribeiro, coordenadora da ONG S.O.S. Mata Atlântica.
Mudanças na legislação que garantam a
reparação ao meio ambiente e às vítimas é precisamente uma reivindicação de
ambientalistas, promotores e cientistas. "Nesses casos, aplica-se o Código
Civil, que prevê igualdade das partes, quando é claro que as empresas têm mais
recursos que o cidadão cuja vida foi afetada. A Samarco [responsável por
Mariana], por exemplo, recebeu mais de 60 multas e, até hoje, só pagou
uma", critica o promotor Guilherme Meneghin. "Esperamos que essa nova
tragédia desencadeie novos procedimentos de reparação. Se não, só nos restará
esperar a próxima tragédia", conclui.
Autora:
Joana Oliveira - Publicado no Diário El País!
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