Policiais
militares contratados por uma transportadora efetuaram pagamentos de propina e
caixa 2 para políticos e agentes públicos.
Em junho de 2014, o cabo Ednaldo Rocha
Silva, do 14.º Batalhão da Polícia Militar paulista, em Osasco, recebeu uma
convocação extraoficial. O sargento Paulo Roberto Romualdo, que se aposentara
um ano antes no 49.º Batalhão, em Pirituba, zona oeste da capital, estava
recrutando “policiais de confiança” para fazer um bico sigiloso pelos próximos
meses. A missão: entregar dinheiro para “clientes VIP” de uma transportadora de
valores da região.
Só em São Paulo, ao menos oito PMs da
ativa ou aposentados atuaram na distribuição de dinheiro da Odebrecht, ganhando
R$ 180 por dia de trabalho, mais do que o ganho diário de um cabo. Grandes
quantias, como R$ 500 mil, eram entregues pelos policiais diretamente aos
intermediários indicados pelos políticos em suas residências, escritórios ou
flat.
Antiga sede da Transnacional, que contratava policiais para entregar dinheiro – Werther Santana - ESTADÃO
Embora aquele fosse um período de
campanha eleitoral, cabo Silva não podia imaginar que ao aceitar o serviço
estaria aderindo à engrenagem do que é considerado o maior esquema de corrupção
já descoberto no País. Ele e Romualdo integraram uma tropa de PMs contratada
pela empresa Transnacional e sua matriz no Rio de Janeiro, a Transexpert, para
efetuar os pagamentos ilícitos da Odebrecht que teriam como destinatários
finais políticos e agentes públicos de diferentes Estados.
Operado pelo doleiro Álvaro Novis, o
sistema distribuiu ao menos R$ 37,9 milhões em São Paulo e R$ 81,8 milhões no
Rio entre 2011 e 2014.
Dia sim, dia não, os oficiais se
apresentavam à paisana às 8h na garagem da sede da Transnacional, na Vila
Jaguara, bairro que fica entre o 14.º o 49.º batalhões da PM. Recebiam uma
relação de endereços, recibos e senhas e saíam em dupla em carros blindados
lotados de dinheiro. Os veículos Volkswagen Polo prata tinham sido comprados do
Grupo Petrópolis, também usado pela Odebrecht para distribuir caixa 2 de
campanha.
Caminho do dinheiro
Esquema montado pela Odebrecht e operado
por doleiro usou transportadoras de valores e policiais militares para pagar R$
120 milhões a políticos e agentes públicos em São Paulo e no Rio:
A exceção era quando a Odebrecht pedia
ao doleiro um entregador com “boa apresentação”. Nestes casos, era um
funcionário de Novis chamado Rogério Martins quem fazia os pagamentos. Já
quando havia muitos pagamentos menores, como R$ 50 mil, agendados para o mesmo
dia, os PMs levavam o dinheiro até um quarto de hotel onde Martins se hospedava
e aguardava os portadores dos políticos buscarem os valores. Um carro-forte da
Transnacional ficava estacionado em local estratégico servindo de ponto de
distribuição de dinheiro aos agentes.
Depoimentos. Todos esses
detalhes foram revelados à Polícia Federal e a procuradores e
promotores de São Paulo e do Rio pelos próprios PMs e por
funcionários das empresas envolvidas em uma série de depoimentos concedidos no
ano passado nos inquéritos da Lava Jato. Isso só foi possível depois que Álvaro Novis decidiu colaborar com os investigadores
após sua segunda prisão, em 2017, e revelou como operava os pagamentos por meio
das transportadoras.
Em dezembro daquele ano, o gerente da
Transnacional, Edgard Augusto Venâncio, entregou à PF um arquivo com centenas
de conversas mantidas por Skype com os policiais que faziam as entregas nas
ruas. Nas mensagens aparecerem nomes, endereços e até telefones dos
intermediários que teriam recebido a propina. Com base nessas conversas foi possível
identificar quem fez cada entrega.
Colaboração. Considerados “testemunhas
colaboradoras”, os policiais viraram peça-chave da última etapa da
investigação: a comprovação dos pagamentos listados nas planilhas da Odebrecht.
Todos eles afirmaram aos investigadores que não sabiam a origem do dinheiro e
nem quem eram os destinatários.
O PM cabo Silva, por exemplo, admitiu ter ido ao menos uma vez em 2014 entregar
dinheiro no prédio onde um assessor do senador Ciro Nogueira (PP-PI) tinha
um apartamento alugado em São Paulo. O parlamentar é acusado de ter recebido R$
1,3 milhão da empreiteira naquele ano. Ciro Nogueira e o assessor negam que
tenham cometido irregularidades e recebido repasses ilegais da construtora.
Contribuição maior aos investigadores
foi dada pelos policiais Abel de Queiroz, que ainda está na ativa no 14.º
Batalhão, e Wilson Francisco Alves, que se aposentou em 2016. À PF, os dois reconheceram o escritório de advocacia de José
Yunes, amigo e ex-assessor especial do ex-presidente Michel Temer,
como um dos locais onde levaram malotes de dinheiro a serviço da Transnacional.
Temer é acusado de ter recebido R$ 1,4 milhão da Odebrecht.
Em setembro do ano passado, a assessoria do Palácio do Planalto apontou
“perseguição” ao então presidente ao rebater o inquérito da Polícia Federal. A
assessoria disse que o pedido de apoio formal para campanhas eleitorais à
Odebrecht ocorreu “dentro de todos ditames legais” e “todos os registros foram
feitos em contas do PMDB e declarados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).”
A defesa de Yunes sustenta que ele não
era intermediário de ninguém e que nunca teve contato com os policiais.
Investigação. A conduta de sete agentes que admitiram fazer entregas
para a Odebrecht é investigada pela Polícia Militar. Seis deles
estavam na ativa em 2014, quando foi feita a maior parte dos pagamentos
investigados pela Lava Jato.
Agentes da PM citam entregas de
dinheiro em escritório de Eduardo Cunha
Segundo os depoimentos dos policiais
militares nas investigações envolvendo os repasses da Odebrecht, o mesmo
esquema de distribuição de dinheiro a políticos foi operado no Rio pela
transportadora Transexpert.
O policial militar José Walber
Francisco dos Santos disse aos investigadores que fazia entregas diárias de
dinheiro no escritório do deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo
Cunha também em carros blindados descaracterizados. Ele atuou na transportadora
entre 2010 e 2015 e chegava a fazer até 15 pagamentos por dia.
Cunha também nega ter recebido
recursos ilícitos da empreiteira. O deputado cassado está preso desde outubro
de 2018 na Operação Lava Jato.
Tanto a Transnacional quanto a
Transexpert faliram depois que a Lava Jato descobriu seus envolvimentos no
esquema da Odebrecht. Ex-dirigentes e funcionários das empresas estão
colaborando com as investigações. A reportagem não conseguiu contato com os
representantes das empresas ou seus advogados.
Autores:
Fabio Leite, Fabio Serapião e Luiz Vassallo – Publicado no Jornal Estadão
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