No dia 18 de fevereiro, sábado, o Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) emitiu um alerta de risco “muito alto” de grandes volumes de chuva para parte do Sudeste, em especial na Baixada Santista e Litoral Norte do estado de São Paulo. “Caso a previsão se concretize, podem ocorrer deslizamentos generalizados nas áreas de risco nos morros litorâneos e na Serra do Mar, taludes de rodovias e mesmo deslizamentos em encostas naturais de alta declividade”, afirmava o boletim. Naquele mesmo dia, a chuva mais intensa já vista no Brasil desde o início da série histórica despencou sobre a região, deixando ao menos 40 mortos.
Choveu em poucas horas o equivalente ao dobro da média de fevereiro. Entre Bertioga e São Sebastião, destino preferencial de veraneio dos grã-finos de São Paulo, choveu mais de 600 milímetros, o dobro da média de todo o mês de fevereiro e o triplo do verificado na trágica enchente de 2021 na Alemanha. Além da intensidade, chamou atenção dos climatologistas o fato de que a frente fria que causou a tempestade foi seguida de uma massa de ar frio, algo incomum no verão da América do Sul. Em Buenos Aires, conhecida pelos verões infernais, as temperaturas no fim de semana caíram a invernais 5oC.
Os cientistas ainda estão caracterizando o fenômeno. É difícil, sem um estudo de atribuição, responsabilizar o aquecimento global diretamente pelo aguaceiro, mas também é impossível ignorar que ele ocorre num planeta 1,1oC mais quente do que antes da Revolução Industrial. Há décadas os modelos climáticos literalmente desenham para os tomadores de decisão que quiserem ver uma fórmula muito simples: mais gases de efeito estufa na atmosfera equivalem a mais calor, mais evaporação dos oceanos e mais tempestades fortes concentradas em poucos dias.
O clima é condição necessária para a tragédia, mas não suficiente. Para uma tempestade incomum virar um desastre humano, as condições meteorológicas anormais precisam se encontrar com ocupações humanas em zonas de risco, como margens de rios e encostas. No caso dos verões brasileiros, desgraçadamente, isso também é previsível. “Parece um filme de terror que vemos todos os anos”, diz o climatologista José Marengo, do Cemaden.
Para ficar apenas nos eventos mais recentes: 13 mortos em Belo Horizonte no janeiro mais chuvoso da história da capital mineira, em 2020; 455 mil afetados pela maior cheia da história de Manaus, em 2021; 26 mortos no sul da Bahia e norte de Minas e 255 mortos em Petrópolis no verão de 2021/2022; e mais de 130 mortos em Recife em maio do mesmo ano.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve em São Sebastião na segunda-feira acompanhado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e prometeu se empenhar na ajuda aos atingidos (no fim de 2021, com a Bahia submersa, o antecessor de Lula, aliado e mentor de Tarcísio, curtia passeios de jet ski no litoral catarinense). A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, propôs criar uma linha de crédito para adaptação à mudança do clima.
Para efeito prático, o Brasil não tem um plano de adaptação climática. Em 2016, o governo federal chegou a promulgar um Plano Nacional de Adaptação, que previa uma série de ações em vários ministérios. O plano chegou a ser mencionado na primeira Contribuição Nacionalmente Determinada, a meta brasileira do Acordo de Paris. Mas nunca deixou de ser um saco de gatos onde políticas já existentes – e frequentemente contrárias ao objetivo do plano – eram computadas pelos ministérios.
No governo Temer, por exemplo, a Medida Provisória 759 (depois convertida da Lei 13.465) foi listada como ação de adaptação. O que a MP faz é aumentar o prazo para anistiar a grilagem de terras, rurais ou urbanas, frequentemente consolidando ocupações ilegais em áreas de risco. A MP foi questionada no Supremo pela Procuradoria-Geral da República.
No governo Bolsonaro, o PNA foi simplesmente deletado da atualização da NDC brasileira e, na prática, descontinuado em favor de uma série de “programas” de uma suposta “agenda ambiental urbana” que nunca passaram de um PDF pendurado no site do Ministério do Meio Ambiente.
A
dificuldade adicional é que o governo federal pode até planejar, mas adaptação
é algo que precisa ser feito por estados e municípios. O governo federal pode
baixar uma regra regulando eficiência de motores e pode substituir
termelétricas fósseis. Mas tirar gente de áreas de risco, replantar um
manguezal para reduzir o impacto de ressacas ou melhorar os sistemas urbanos de
drenagem são medidas para prefeitos adotarem. Elas custam caro, disputam espaço
com uma série de outras prioridades e raramente são olhadas sob o viés da
mudança do clima: segundo o ICLEI, apenas sete das 27 capitais brasileiras têm
planos municipais de adaptação concluídos – e poucos levam em conta cenários
futuros de mudança do clima.
Autor; Claudio Angelo é jornalista e coordenador de comunicação do Observatório do Clima, onde este artigo foi originalmente publicado.
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