O caso de fraude nas Lojas Americanas reabre nossas preocupações com a educação pública no Brasil. Por que?
Porque Lemann, um dos empresários envolvido na má gestão dessas lojas e, provavelmente, da Ambev, foi o principal envolvido no projeto de privatização do ensino médio com a Base Nacional Comum Curricular, a BNCC.
A conta é simples. O ensino médio sofreu uma mudança curricular. Uma parte dos conhecimentos universais saiu, tais como filosofia, história, cultura e entrou a educação financeira, ideologia do empreendedorismo de si mesmo.
O estudante perde as disciplinas que o formam para exercer sua cidadania e “ganha” disciplinas sem lastro social e da cultura humana. São disciplinas de coach que prometem a riqueza se você “pensar” como o patrão. O Paraná fez isso com as disciplinas Educação Financeira. Os assessores de ensino do governador copiaram o livro Sem ética e sem moral. Os apreciadores de reformas de extrema direita como essa que veio dos EUA, da década de 1980, era Reagan, propagam que o estudante pode ser o patrão dele mesmo, empregado dele mesmo, tendo a produção e a venda por ele mesmo.
Isso é possível? Não. Se fosse possível Lemann não seria apenas patrão e não ameaçaria quarenta mil empregados em poucas horas por um erro seu.
A reforma da BNCC veio da cópia da reforma de 1983, quando empresários inventaram a crise da educação e puseram os professores e professoras como inimigos da educação. O Instituto Lemann e seus aliados e empresas brasileiras como o Itaú, Natura e outras usaram o relatório “Uma nação em risco”, redigido pela Comissão Nacional de Excelência em Educação, conforme Bastos, em 2017.
Está nesse relatório a redução do currículo às disciplinas sem os conhecimentos universais; tentaram privatizar a educação. Como? Vendendo-as pelas escolas privadas. Sobre as disciplinas que faltarão aos alunos, as escolas privadas receberão um voucher dado aos pais para pagarem os patrões.
Essa reforma BNCC, aprovada em 2020, foi privatizar por dentro o ensino do Ministério da Educação. Os donos de escolas obterão lucro do dinheiro público. O MEC é um dos ministérios com os maiores recursos financeiros.
A reforma do ensino médio matou todas as lutas dos educadores. Do Manifesto dos Pioneiros, em 1930, e sua exigência de um ensino de ciências real na escolarização das crianças e jovens, à 2020, com a votação do Banco Nacional Comum Curricular, o Brasil passou por décadas de luta para ter as ciências e outros campos disciplinares no mesmo patamar que outros países.
Ao longo das décadas de 1930, 1970 e da década de 1990 com a Lei de Diretrizes e Bases e com os Parâmetros Curriculares Nacionais, a BNCC, tão esperada pelos educadores brasileiros, nada mais é do que um documento elaborado e votado por empresários da educação em aliança com o capital financeiro para aniquilar todas as conquistas de um ensino na formação de jovens do país.
São mais de 60 anos de história e de batalhas para organizar um currículo pensado conhecendo a inteligência da criança e do jovem, suas culturas dos aprendizes, seus interesses, significações e representações, estudando as diferentes realidades circundantes, a ambiental, a sociológica, a filosófica, a das cidades e suas populações, a do país, entre outras vivenciadas por docentes e alunos.
Ainda há, no ensino médio, a possibilidade de a carga horária ficar entre 800 a 1000 horas quando o estabelecido, por lei, é de 1800 horas. Qual ou quais disciplinas ficarão fora do currículo? Os estudantes devem escolher cinco disciplinas ou áreas. Mas as escolas terão essas opções? Teremos todas as opções em escolas distantes de grandes centros? Lembremos também, o direito dos jovens de ter domínios de conhecimento não apenas para a profissão como prescreve a BNCC, mas para outros campos da vida.
Os empresários brasileiros impuseram duas estratégias nesse negócio na educação: o eliminacionismo educacional, em segmentos da população que serão moralmente condenados, por serem irrelevantes para o capital, de acordo com Bastos. A isso chamo de eugenia. A exclusão dos conhecimentos, a exclusão social e a morte existencial em um país diminuem, propositalmente, as chances da parte empobrecida da população brasileira.
A segunda estratégia é o cercamento financeirizado, primeiramente imposto pelas corporações mundiais e aceito pelos governos pelos países coagidos pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. Nesse percurso, o Instituto Lemann, mediante sua influência no governo e no Conselho Federal de Educação, infligiu a redução das escolas públicas e o não concurso de docentes desde 2016 com o teto de gastos de 20 anos no Brasil.
O mesmo empresário das Americanas que fez um rombo de “apenas” R$40 bilhões tem as mãos na BNCC. Quanto dinheiro e recursos materiais vazarão do MEC para a educação privada no Brasil? Como estaremos daqui a dez anos? Como as Lojas Americanas? Milhares de estudantes sem formação no ensino médio porque correm para serem empreendedores e a escola não importa mais?
Última pergunta, mas não a menos importante: Por que o atual Ministro da Educação não corta esse eugenismo que permanece em seu ministério?
Autora: Marta Bellini – Publicado no Correio da Cidadania.
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