Todo governo passa.
Mas a repulsa à ciência, o obscurantismo desse governo poderá custar muito caro
ao Brasil!
Muitas características fazem, do governo atual, ímpar. Gosta de romper
com políticas de Estado consolidadas há décadas, por exemplo. Tem dificuldades
de lidar com os limites constitucionais impostos ao Poder Executivo. Não se
envergonha de nepotismo e tem orgulho de ser obscurantista. Mas, quando passar
— e todo governo passa — uma destas características poderá custar muito, muito
caro ao Brasil. É o obscurantismo. Ou, em outras palavras, a repulsa à ciência.
A repulsa à ciência aparece de muitas formas. Quando ministros põem em
dúvida aquilo que é consenso entre cientistas, como as mudanças climáticas, é
um caso. Ou, então, quando o governo enxerga ideologia em números do IBGE, do
INPE, certamente outros exemplos virão. De uma forma mais ampla, porém, esta
recusa da ciência põe em perigo o futuro econômico do Brasil. De duas formas.
A era digital, na qual entramos, é em essência a era da matemática. Os
dois braços de avanços tecnológicos nos quais estamos mergulhando — em
biotecnologia e em inteligência artificial — têm por pedestal uma matemática
muito sofisticada. É a matemática do DNA e a matemática por trás dos softwares
capazes de aprender. Não bastasse, a conclusão de que vivemos um tempo de
violentas mudanças climáticas, se baseia em modelos matemáticos.
Nunca o Brasil precisou tanto de gente que conhece em profundidade
matemática. E isso ocorre justamente quando temos um presidente da República
que encontra, nos números, ideologia.
É em cima de conhecimento matemático que produziremos o PIB do futuro. É
com base nele que temos a oportunidade de deixar de ser um exportador de
commodities e cérebros para nos tornarmos cultivadores de cérebros e
exportadores de tecnologia. Nunca foi tão importante pegar instituições como o
Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), as melhores universidades
federais, estaduais e as PUCs e botar, nelas, todo gás. Concentrar nelas o
melhor investimento. Jamais foi tão relevante pegar experimentos como as
Olimpíadas da Matemática e expandi-los, para que possamos descobrir desde cedo
as melhores cabeças entre os brasileiros mais pobres, para que possamos —
enquanto melhoramos o ensino público — pescar essa garotada e já dar ensino de
excelência para eles desde cedo. Precisamos de qualidade em quantidade.
É a recusa dos números em plena era dos números que faz este governo
olhar para a Amazônia e nela enxergar terra para pasto, para soja e minas
diversas. Não vê a biodiversidade, a riqueza genética, a indústria farmacêutica
do futuro, os bilhões e trilhões em patentes. Não se toca dos ciclos das
chuvas, ignora que inteligência artificial em conjunto com edição genética
permite produzir muito mais com muito menos terra.
Ao invés de promover o encontro entre iniciativa privada e professores
universitários, de quebrar o preconceito da academia brasileira com o
capitalismo do século 21, o governo estimula o ódio à educação. Quando podia
estar criando formas de estimular a geração de patentes e eliminar a burocracia
para seu registro, tornar pesquisadores os grandes propulsores da nova riqueza
nacional, o Planalto obscurantista os torna inimigos e, em estudantes, enxerga
idiotas úteis.
O Vale do Silício existe por causa da Universidade de Stanford. Boston é
um hub tecnológico por conta de Harvard e MIT, e Austin está chegando por causa
da Universidade do Texas. A China investiu em formar matemáticos e hoje briga
com os EUA. A Coreia do Sul também. Quantos anos mais perderemos?
Em tempo: senhor presidente, diferentemente do que o senhor sugeriu e
sua máquina de memes espalha, jamais fiz qualquer palestra para o governo
federal. Muito menos pago pelo PT.
Autor:
Pedro Doria – Jornal O Estado de SP
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