Muitas
estrelas, como entre os políticos, apesar de estarem mortas, poderiam “estar
uivando” e se alimentando das companheiras, dizem os astrofísicos.
Andre Penner (AP)
O mundo de hoje, como sempre desde o
tempo dos primeiros feiticeiros, gira em torno da política que é quem governa
os destinos do nosso hoje e do nosso amanhã. O problema não é a política, mas
os políticos que a encarnam. Existem aqueles que acreditam estar vivos, mas, na
realidade, são estrelas mortas que há muito perderam sua luz e sua força. Como
no cosmos, também existem políticos, não importa a idade, que desapareceram há
muito tempo porque se tornaram estéreis e perderam o relógio do tempo.
Se quiséssemos aqui, no Brasil, na América
Latina e até na velha Europa, descrever o panorama político atual,
poderíamos escolher a semelhança do que está acontecendo no cosmos, onde
especialistas explicam que “o centro da nossa galáxia está cheio de estrelas
jovens e velhas, buracos negros e outras variedades de cadáveres estelares, um
enxame inteiro ao redor de um buraco negro supermassivo chamado Sagitário A.”
Além disso, muitas dessas estrelas, como
entre os políticos, apesar de estarem mortas, poderiam “estar uivando” e se
alimentando de estrelas companheiras, dizem os astrofísicos. Uivos metafóricos
que assustam igualmente.
O Brasil vive, de fato, neste momento,
um cataclismo estelar no qual se ouvem ecos de autoritarismo e nostalgias de
ditaduras passadas que nem sequer são dissimulados. Na segunda-feira, dia
9, Carlos, um dos três filhos políticos do presidente Bolsonaro, vereador
da importante Câmara Municipal do Rio de Janeiro, provocou um terremoto ao
escrever nas redes: “a transformação que o Brasil quer não acontecerá pelas
vias democráticas”. A alusão à necessidade de usar métodos ditatoriais era
evidente. O vereador continuou escrevendo: “Só vejo todo dia a roda girando em
torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de
jeitos diferentes”.
Felipe Santa Cruz, atual presidente da
OAB, cujo pai é um dos desaparecidos durante a ditadura militar, declarou: “Não
podemos aceitar uma família de ditadores”, e acrescentou: “A família Bolsonaro
tem uma história de declarações a favor da ditadura militar de 64 a 85”. Da
ditadura e da tortura, sempre exaltada por Bolsonaro.
E é verdade que a gravidade das
declarações de Carlos Bolsonaro não pode ser vista como um deslize pessoal do
jovem político que já era vereador aos 17 anos. O mais grave é que seu pai, o
presidente do Brasil, que estava se recuperando naquele momento em um hospital
em São Paulo de uma operação de hérnia e postava fotos andando pelo
corredor do hospital, não teve uma única palavra de repreensão às declarações
do filho, a quem chama de pit bull, seu cão de guarda. O vereador ficou famoso
quando o protocolo lhe permitiu acompanhar, no banco traseiro do Rolls
Royce presidencial, as duas vezes que Bolsonaro o usou junto com a esposa,
Michelle, a primeira-dama: no dia do desfile da posse como presidente e dias
atrás, durante o desfile solene do aniversário da Independência.
O grave é que hoje no Brasil todos sabem
que quem governa não é apenas o capitão da reserva, Jair Bolsonaro, mas também
seus três filhos: o senador Flavio, o deputado federal Eduardo e o dinâmico
vereador, Carlos, considerado o gênio da Internet e quem organizou a campanha
das eleições presidenciais nas redes sociais. Acaba de pedir afastamento como
vereador para se dedicar, certamente, de novo a adestrar nas redes os
seguidores mais fanáticos e fiéis que estavam diminuindo com a queda vertical
na popularidade do presidente, que chegou a 29%, algo que nunca aconteceu nos
primeiros oito meses de Governo com nenhum dos ex-presidentes da democracia.
Há quem defenda hoje que os poetas
deveriam parar de usar palavras como estrelas, lua ou sóis em suas composições.
Esquecem-se de que poucas realidades evocam, até na política, tantas imagens e
tantas metáforas quanto o mistério do cosmos. Não por acaso são os cientistas
que nos lembram que nós, humanos, “somos feitos do mesmo pó das estrelas”.
Somos pedaços do universo.
E se o céu estelar, que tanto fascina
grandes e pequenos, nunca poderá abandonar as imagens da criação poética,
tampouco deveria fazê-lo o complexo e confuso mundo da política que também está
povoado, por exemplo, de estrelas que já não existem embora acreditamos que
estão vivas. E o pior é que mesmo mortas continuam uivando ameaçadoras e se
alimentando dos vivos.
É verdade, de acordo com a ciência, que
existem estrelas que fascinam com seu brilho e, no entanto, já não existem. Já
estão, como acontece com muitos políticos em todos os níveis de poder, mortas,
embora ainda vorazes. E esses políticos são hoje o centro do nosso pessimismo.
Eles acreditam que estão vivos, querem comer o mundo, fazê-lo retroceder aos
tempos dos extermínios e dos escravos, e ainda uivam nas noites das longas
facas de traições e conspirações.
E se é o pessimismo da razão e do
coração que nos arrasta até desprezar a nobre arte da política que sempre
governou o planeta, também existe não digo o otimismo, que é uma palavra de que
não gosto, mas a esperança de que, também ao contrário, existam estrelas no
cosmos que já nasceram e estão vivas, embora sua luz distante ainda não tenha
chegado a nós. É a esperança de que algo novo esteja vindo, sem uivos e
traições, mas com cantos de paz e de diálogo, e com a vontade de criar um mundo
menos desumano para que as estrelas que um dia chegarão, em vez de uivar gritos
de velhas guerras, nos cantem versos de vida.
Penso que hoje aqui no Brasil, um país
que vive um momento mais de uivos de estrelas mortas e ainda vorazes do que de
hinos de liberdade, vejo com alegria que os vivos, de todas as vertentes, estão
se reunindo em um grande abraço contra a barbárie que lhes querem impor. Vimos
isso na reação maciça e nacional, especialmente dos mais jovens, contra a
arbitrariedade do prefeito evangélico do Rio, Marcelo Crivella, que
mandou policiais à grande festa da Bienal do Livro, visitada por milhares
de crianças, para recolher um livro de literatura infanto-juvenil, de história
em quadrinhos, em que dois jovens se beijam.
E estamos vendo essa reação contra os
políticos estrelas mortas seguidoras do violento e autoritário capitão, que
gostaria de transformar o país em uma teocracia presidida pela Bíblia e não
pela Constituição e em um país armado com licença para matar. Um país sem
liberdade de expressão no qual ele zomba abertamente da defesa dos direitos
humanos que sonharia abolir.
Justamente, as perigosas afirmações do
filho de Bolsonaro insinuando que seu pai não poderá transformar este país “por
vias democráticas” aconteceram quando jornalistas e intelectuais de todas as
formações políticas e de todos os grandes jornais se reuniram na importante
Universidade de São Paulo (USP) para reafirmar o direito à liberdade de
expressão e contra qualquer tipo de censura ou ameaça à imprensa. Carla
Jiménez, diretora do EL PAÍS Brasil, insistiu, por exemplo, na necessidade de
que os jornalistas se tornem “uma caixa de ressonância”, já que acrescentou:
“Não temos o direito de claudicar”.
O Brasil, que de repente se viu golpeado
por medidas autoritárias e ilegais que pressagiam um perigo para as liberdades,
começou a acordar. A responsabilidade é grande. A História nos ensinou no
passado como é fácil, de escorregão em escorregão, sem capacidade de reagir,
acabarmos afundados no abismo.
O NÃO às feridas contra as liberdades
conquistadas democraticamente e contra a Constituição, que de laica se deseja
transformar em confessional, tem de ser claro e vigoroso se não quisermos
chorar amanhã, ou que o façam aqueles que nos seguirão, por nossa cumplicidade
com a política vista mais como um conjunto de estrelas mortas do que como um
cosmos que se move nesse maravilhoso equilíbrio cujo milagre nos surpreende
quanto mais o conhecemos.
O cosmos fascina porque seu mistério e
sua grandeza nos emocionam. Nada nele, dizem os astrofísicos, é banal.
Transpondo para o nosso mundo político, poderíamos dizer que aqui estamos nos
antípodas dessa grandeza. Hoje, nela, como o filósofo Alain Deneault acaba de
denunciar, o que prima é a “mediocracia” e “o que realmente importa não é
evitar a estupidez, mas adorná-la com a aparência de poder”. São as alucinações
das estrelas mortas que ainda se permitem nos assustar com seus uivos.
Autor:
Juan Arias – El País
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