A redução dos juros permitirá que a riqueza financeira possa cumprir sua missão: investir em infraestrutura e na atividade produtiva.
Luis Stuhlberger é um dos gurus do mercado. No Valor de hoje esbanja pessimismo por todos os poros. Considera 2024 “um ano extremamente frustrante e decepcionante, porque aconteceram duas coisas muito relevantes para o portfólio: a elevação da curva de juros nos EUA e a uma deterioração particular dos ativos brasileiros diante da piora fiscal que “foi ganhando tração”.
Tudo isso é jogo de cena, para forçar o Banco Central a reduzir a queda da Selic na reunião do Copom. Campos Neto ganhou, mas a cisão foi armada: 5 x 4, mostrando que Gabriel Galípolo não se sujeitará ao jogo de chantagens dos Stuhlberger da vida. Qual a piora fiscal? O Ministério da Fazenda mudou a meta fiscal de 2026 de superávit fiscal de 1% do PIB para 0,25% do PIB. Não se falou em déficit, mas em redução do superávit.
O déficit brasileiro tem nome – dívida pública -, tem agente – os juros cobrados – tem beneficiários – os titulares de renda financeira -, tem as vítimas – clientes pessoas físicas, jurídicas e Tesouro. E tem consequências terríveis: desviando recursos da saúde, educação, inovação, das universidades, da infraestrutura.
Segundo o governo, o novo superávit será de R$ 33,1 bilhões. Caso não tivesse sido alterado, seria de R$ 132,4 bilhões – quatro vezes maior. Em 2023, os juros da dívida pública brasileira atingiram R$ 713,8 bilhões, 6,61% do PIB. Os gastos com saúde, previstos para 2024, serão de R$ 218 bilhões, 30% dos gastos com juros. Os gastos com Educação, de 108,4 bilhões, 15% dos gastos com juros.
Dados do BCB: Segundo o BCB, a taxa média de juros dos empréstimos para pessoas físicas foi de 32,9% ao ano em dezembro de 2023. Já a taxa média de juros dos empréstimos para empresas foi de 18,7% ao ano.
Saldo da dívida: O saldo da dívida das famílias brasileiras com o sistema financeiro era de R$ 1,56 trilhão em dezembro de 2023. Já o saldo da dívida das empresas era de R$ 5,24 trilhões.
Tomando-se por base as taxas médias, as famílias pagaram R$ 513 bilhões de juros; as pessoas jurídicas R$ 980 bilhões; o Tesouro, R$ 668 bilhões. No total, 19,83% do PIB.
É evidente que parte se deve a financiamentos que ajudaram as famílias a consumir através do crediário e as empresas garantir seu capital de giro. Mas suponha que as taxas foram minimamente civilizadas: das famílias em 20% ao ano; das empresas em 10% ao ano; do Tesouro em 5% ao ano. Nesse caso, em vez de R$ 2,1 trilhão os juros cairiam para R$ 1,2 trilhão.
A diferença entre Brasil, Índia e China está nesse modelo de política monetária, responsável pela perda de dinamismo na economia, pela concentração de renda pornográfica, pela incapacidade das empresas brasileiras crescerem, mesmo dispondo de todos os pré-requisitos para se tornar uma grande economia: território, matéria prima abundante, população, enorme mercado de consumo potencial (se o modelo for invertido).
Por trás da aparente tecnicalidade das análises, há um nonsense aceito acriticamente pela mídia. Os jornalistas mais experientes têm acesso a um guru qualquer do mercado. Os setoristas pegam qualquer operador para saber o “sentimento” de mercado.
Os dados da tabela são óbvios. Há dois grupos no país: os que são extraordinariamente beneficiados pela financeirização e os que pagam a conta. E os que pagam a conta não são irrelevantes. É todo o comércio, a indústria, a classe média, setores que, mobilizados, têm poder de influência no Congresso.
Qualquer governante, por mais primário que seja, entenderá que existe a oportunidade de uma grande frente para romper o poder absoluto do mercado. Se for só um pouco medíocre, achará que bastará oferecer algumas linhas de crédito favorecidas para conquistar a adesão desses grupos.
Se for um pouco mais esperto, entenderá que mobilização é algo muito mais orgânico, do que uma operação em guichê de banco. A mobilização do setor produtivo exige planos de ação concatenados, diagnósticos claros sobre as mudanças nos modos de produção, atrair as principais lideranças do setor produtivo para montar esse plano em conjunto, ações, eventos e, fundamentalmente, um presidente da República com energia suficiente para reeditar o Lula de 2008.
A redução
dos juros permitirá, finalmente, que a imensa riqueza financeira acumulada ao
longo de décadas e décadas de esbórnia, possa finalmente cumprir sua missão
principal: investir em infraestrutura e na atividade produtiva.
Autor:
Luis Nassif – Publicado no Site GGN.
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