O instituto de pesquisas de opinião Quaest divulgou uma pesquisa feita em parceria com a Genial Investimentos sobre as opiniões de executivos do mercado financeiro. A pesquisa revela como os 88 executivos do setor vivem em Nárnia, em um delírio coletivo completamente descolado da realidade, movidos apenas pela ânsia de lucros fáceis no cassino financeiro.
Pouco interessa que a economia real esteja em frangalhos, em Nárnia a taxa de juros continuará em 13,75% - Imagem Reprodução.
Primeiro, vamos ao descolamento da realidade. Em uma das perguntas, a pesquisa indaga qual seria o superávit primário necessário para que se garanta a “sustentabilidade” da dívida pública brasileira. Em primeiro lugar, a dívida pública brasileira é perfeitamente sustentável e relativamente baixa, de 73,5% do PIB (2022).
Se descontarmos alguns elementos que não são propriamente dívidas, como as operações compromissadas, cai para a casa dos 50%. Muito mais baixa que a de países desenvolvidos e próxima da de países emergentes. Além disso, a dívida é quase totalmente em reais e o país dispõe de reservas internacionais abundantes. A pergunta em si é um pouco irrelevante.
Além disso, a pergunta é ambígua. Vamos por passos. O superávit primário é o resultado fiscal do governo excluídas as receitas e despesas financeiras, isto é, a diferença entre o que o governo arrecada com impostos e o que gasta com saúde, educação, investimentos, salários etc.
No entanto, a sustentabilidade da dívida é dada pelo resultado nominal, que inclui os gastos e receitas do governo. O maior deles é o pagamento de juros da dívida, uma variável que o governo Lula não controla. Quem controla essa alavanca é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Ao determinar a taxa básica de juros, Campos Neto determina o ponto de referência dos juros da dívida.
Entre 2021 e 2022, Campos Neto elevou a taxa de juros de 2% para 13,75% e colocou o Brasil no topo da tabela de taxas de juros. Esse salto tem custos enormes: segundo o professor José Luís Oreiro, um ponto percentual a mais custa aproximadamente R$ 25 bilhões por ano. Ou seja, Campos Neto criou gastos de quase R$ 300 bilhões a mais para o governo. Não adianta o governo Lula gerar superávit se Campos Neto não ajuda.
Voltando à pesquisa, 71% dos nossos financistas de Nárnia acham que o governo deve poupar mais de R$ 150 bilhões. Um terço destes vão além e querem R$ 200 bilhões de corte de gastos ou aumento de receitas para manter a dívida sob controle. Isso equivale a aproximadamente 2% do PIB.
A Instituição Fiscal Independente” (IFI, que é vinculada ao Senado Federal, mas não é muito independente da ideologia fiscalista) vai além e cobra 3,6% do PIB. No ano passado, com uma entrada de receitas completamente inesperada, Paulo Guedes fechou o ano com R$ 54 bilhões de superávit primário. Um superávit primário de R$ 200 bilhões bloquearia o funcionamento do Estado e dos programas sociais.
Financistas a favor da alta taxa de juros
Ao mesmo tempo, incríveis 95% dos nossos financistas de Nárnia acham que a decisão do Banco Central de manter a taxa de juros em 13,75% está correta. Ou seja, querem que toda a economia venha de cortes em programas sociais, salários de servidores e investimentos públicos, nada deve vir de um dos maiores gastos do governo, por acaso aquele que enche os bolsos do sistema financeiro. E ainda 7% dos financistas vão além e reclamam que está pouco, querem juros mais altos.
Nessa situação, não surpreende ninguém que nossos financistas de Nárnia tenham opiniões sobre o governo completamente contrárias àquelas da população em geral. Nenhum dos 88 entrevistados avalia o governo Lula positivamente, contra 40% da população; 10% dos financistas avaliam como regular e 90% avaliam como negativo, contra 24% regular e 20% negativo na população em geral.
Suspeito que uma entrevista com os golpistas que invadiram o Palácio do Planalto em 8 de janeiro encontraria um resultado mais favorável para o governo Lula. Tenho certeza que pelo menos um dos golpistas, meio abilolado das ideias, teria uma avaliação positiva do governo que tentava derrubar.
A falta de confiança no governo Lula é complementada por confiança generosa em bolsonaristas de todos os tipos. O ódio à presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, é total: 98% dos entrevistados não querem vê-la nem pintada de ouro.
Mesmo figuras da direita tradicional que compõem a frente ampla, como o vice-presidente Geraldo Alckmin e a ministra do Planejamento Simone Tebet, contam com a desconfiança total ou parcial de mais de 90% dos entrevistados. Ou seja, quem se juntou ao presidente Lula para combater o golpismo de Bolsonaro não merece a confiança dos próceres da Nárnia financeira.
Mas em quem nossos financistas delirantes depositam sua confiança?
Segundo os dados, 41% confiam plenamente em Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro. Tarcísio, vamos lembrar, foi responsável por entregar as piores taxas de investimento público da história. Sob sua batuta, o investimento público sequer foi suficiente para repor o desgaste natural da infraestrutura brasileira.
Nossos financistas parecem não se importar muito com a economia real. Lhes interessam as privatizações a preço de banana, não a construção das bases de uma economia desenvolvida.
Além de Tarcísio, Romeu Zema também goza de ampla confiança dos financistas. O que mais chama a atenção, no entanto, é a generosidade do grupo com Arthur Lira: mais da metade respondeu que confia muito ou mais ou menos (46%) no presidente da Câmara. Arthur Lira, vamos lembrar, foi o grande gerente do orçamento secreto, maior esquema de corrupção da história democrática do Brasil.
A habilidade política de Lira também rendeu a Bolsonaro cinco furos no teto de gastos, a menina dos olhos dos nossos financistas. Ou seja, eles não estão preocupados com a saúde fiscal do país. Estão preocupados apenas com os rendimentos de seus investimentos especulativos. Pouco interessa que a economia real esteja em frangalhos, em Nárnia a taxa de juros continuará em 13,75%.
O grande líder na confiança dos agentes de mercado é o presidente do Banco Central, que dispõe de muita (68%) ou alguma (30%) confiança da quase totalidade dos entrevistados. Não surpreende, os 88 entrevistados anônimos certamente são parte das 130 instituições, em sua maioria bancos e corretoras, que o Banco Central ouve semanalmente na preparação do Boletim Focus.
As tais
“expectativas de mercado” que estão “desancoradas” são as opiniões dessa turma.
O Banco Central deveria revisar o Boletim Focus. Vê-se claramente que as
expectativas realmente estão “desancoradas”. No caso, estão desancoradas da
realidade concreta da economia brasileira. Entraram em um armário e se
ancoraram na Nárnia especulativa do mercado financeiro.
Artigo - Copom começa a definir taxa de juros em 20-03. Membros têm perfil conservador e do mercado. Foto Divulgação Banco Central.
Autor: Pedro Faria é economista e doutor em história. É pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, ao Instituto Economias e Planejamento e militante do Movimento Brasil Popular – Publicado no Site Brasil de Fato.
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