Os temas
mais relevantes da semana deveriam ser: (1) o depoimento do inominável no caso
das joias que tentou surrupiar, e que deram largada à contagem regressiva do
seu tempo de impunidade; (2) o julgamento de seu amado ex-presidente Trump.
Desprestigiadíssimo até no valor das joias que recebeu da Arábia Saudita (valem
34 vezes menos do que aquelas que nosso ex-presidente tentou garantir, na
moita, para os seus), o Trump, se condenado nas 34 acusações que responde, pode
pegar até 100 anos de cadeia.
Diante disso, aquele que se sabe com responsabilidades sobre o desmonte do Estado democrático e suas instituições - o genocídio dos indígenas, as negociatas com (e as mortes sem) vacinas, as mentiras no exercício do cargo, os gastos do cartão corporativo, as tentativas de contrabando e aquelas ações que projetavam um golpe de Estado - seguramente tem motivos para chorar no banheiro.
Mas tudo isso resultou obscurecido, nesta quarta-feira (5), pela barbárie reveladora do ponto a que chegamos. Como se fosse pouco o ocorrido no RJ, onde um maluco colocou fogo num ônibus lotado de passageiros, no mesmo dia, em SC, um bolsonarista entrou numa creche e trucidou quatro crianças, a machadadas.
O horror envolvido neste caso é tamanho que se torna difícil até pensar sobre o ocorrido, quanto mais falar ou escrever a respeito. Diante disso, Lula fez o que se espera de um líder sadio. Orientou sua equipe, exigiu medidas urgentes de seus subordinados e solidarizou-se pessoalmente com a dor das famílias vitimadas. Ciente de que o fato desenha estarmos em face a verdadeiro ponto de mutação, o ministro Silvio de Almeida expressou o que todos sentimos. Estamos “falhando miseravelmente com nossas crianças”. Com o medo justificado alcançando as creches particulares, família alguma poderá se sentir tranquila.
Somos culpados e vítimas. Percebemos e permitimos que esta realidade se configurasse, com os fundamentos da humanidade sendo desmontados de forma acelerada neste país. Os números mostram que, desde o golpe de 2016 e pior ainda com o fascismo bolsonarista, a loucura não apenas saiu dos porões para as ruas, como contaminou o Estado e agora tende a se estabelecer como padrão comportamental.
Apenas neste início de ano tivemos, antes das machadadas na creche catarinense, uma bomba caseira e facadas em escolas paulistas e carioca. Apenas no período de 2022 e 2023 (com 11 ataques em escolas) já aconteceram mais destes casos do que nos 20 anos anteriores (22 ataques a escolas entre 2002 e 2023).
Como negar, então, que algo de torto se passa na sociabilidade brasileira, algo de mau, algo tão forte a ponto de estimular atitudes monstruosas, impensáveis, contra crianças?
Claramente isto tem a ver com a impunidade, a facilidade, o elogio e os estímulos à violência em suas mais diversas formas. Neste sentido, resta supor que o transbordamento da loucura que acontece entre nós se associa às novidades deste tempo. À facilitação do acesso a armas, ao orgulho insano daqueles que pedem a volta da ditadura exibindo suas tornozeleiras eletrônicas como se fossem medalhas de mérito, e aos mantras gritados pelos adoradores daquele que se jacta de ser “especialista em matar”.
O que podemos fazer em relação isso?
Aparentemente há que se buscar a raiz, a fonte do mal, e extirpá-la. Liquidar com ela e abafar suas brotações. Interromper os estímulos que alimentam pessoas que não possuem os freios morais necessários à construção da civilidade. Retirar do convívio social aqueles modelos perseguidos por pessoas que, de tão egoístas, se mostram incapazes de acessar os sentimentos alheios como relevantes às próprias condutas.
Isto porque, conforme percebemos, pessoas que eventualmente se limitavam pela ameaça da punição, pelo juízo alheio ou pelas regras de convivência social, e que há poucos anos se faziam premidas ou contidas pelos seus familiares, de repente se permitiram descontroles que talvez lhes pareçam autorizados pelos gestos, atitudes e palavras do ex-presidente. Seguindo o líder, não estão apenas deixando vir à tona, às ruas, os monstros que estavam reprimidos dentro de si. Estão alimentando um movimento coletivo, que acolhe e ambienta a insanidade das câmaras de tortura, do extermínio seletivo e dos campos de concentração.
Resta temer que sem a punição daqueles mais vistosos, que ocupam posições de liderança nesta decadência moral, verdadeiras massas de assassinos, estupradores, torturadores, manipuladores e outros malucos sem freio, capazes de qualquer atitude bizarra, virão às ruas reivindicar suas cotas de sangue e notoriedade. Entendo haver uma única saída e que ela passa pelo julgamento, punição e execração das fontes e das lideranças do movimento de degradação que nos ameaça. E penso que neste caminho as palavras de ordem, os chamados devem ser: Fora fascistas! Sem anistia!
Na
tristeza de hoje o tema não comportaria músicas. Ainda
assim há uma que sempre vale repetir. Nelson Cavaquinho: Juízo Final.
Autor: Leonardo Melgarejo – Publicado no Site Brasil de Fato!
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