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1 de março de 2021

Quando o fascismo Nutella enfrenta o fascismo raiz!

Na semana que passou, alguns podem ter celebrado o ministro do STF Alexandre de Moraes como um grande campeão da luta contra o fascismo. Não a gente. Sabemos o que ele fez nos verões passados e no longo inverno do nosso descontentamento, que são as infindáveis gestões tucanas em São Paulo.

À frente da Secretaria da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB), entre 2015 e 2016, Moraes pisoteou direitos fundamentais e desrespeitou a Constituição o quanto pode. Foi especialmente autoritário com relação ao direito ao protesto: em janeiro de 2016, ordenou ataques com bombas e detenção ilegal de manifestantes apenas por não aprovar o itinerário que pretendiam seguir. Tornou-se o primeiro secretário a escancarar a diferença de tratamento entre protestos de rua, reservando a violência para os atos de esquerda e a benevolência para as manifestações de direita, mesmo as abertamente fascistas. A PM chegou a ser investigada por torturar manifestantes sob as ordens de Moraes, mas os inquéritos não deram em nada.

A gestão de Moraes, junto com a de seu sucessor, Mágino Alves Barbosa Filho, foi especialmente cruel com os estudantes, que haviam imposto uma derrota ao governo ao realizar uma série de protestos que fizeram Geraldo Alckmin recuar do plano de fechar 94 escolas. Em retaliação, a gestão adotou um programa sistemático de monitoramento e intimidação de alunos do movimento secundarista, nas ruas e nos colégios, que incluía vigilância, espancamentos, torturas e abusos sexuais, conforme denúncias registradas pelos adolescentes em diversas instituições, inclusive na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Foi Alexandre de Moraes, ainda, quem acabou de vez com as ocupações de escolas pelos movimentos estudantis, ao obter da Procuradoria Geral do Estado um parecer que o autorizava a realizar reintegrações de posse sem precisar de autorização da Justiça. Moraes já havia deixado o governo de São Paulo quando a PM usou esse recurso pela primeira vez, em 13 de maio de 2016, fazendo a desocupação de quatro instituições de ensino e prendendo cerca de 50 estudantes. “Um amigo meu que estava nessa mesma sala ainda chegou a perguntar se eles tinham mandado, e a resposta do policial mais próximo foi uma cacetada na cabeça. Não havia ninguém do Conselho Tutelar presente na ação, sendo que éramos quase todos menores de idade”, relatou um estudante à Ponte na época.

Você provavelmente não leu sobre nada disso nas análises que foram feitas sobre Alexandre de Moraes nesta semana. É que a maioria desses analistas prefere fazer suas observações a partir dos palácios. Poucos meios preferem olhar para os poderosos a partir do ponto de vista das ruas, onde ficam visíveis os efeitos de suas políticas no mundo real.

Por adotar esse ponto de vista é que sabemos que, num embate entre Daniel Silveira e Alexandre de Moraes, estamos vendo nada mais do que uma briga entre o fascismo declarado, tosco e mal educado, e um fascismo disfarçado de ordenamento democrático, que prefere limitar direitos e destruir a democracia usando argumentação e jurídica e citações em latim em vez de palavrões e xingamentos.

Como diz a professora Aline Passos, em artigo que publicamos no sábado, a prisão de Daniel Silveira serve como um álibi para esse fascismo cotidiano. "Quem poderá dizer que o Judiciário brasileiro não combate o fascismo depois da prisão de Daniel Silveira? Como poderemos dizer que esse judiciário promove um genocídio se ele até prende fascistas? Ao que tudo indica, na prisão do fascista jaz a possibilidade de memória e reparação para muitas Marielles", escreve Aline.

E, ao mencionar o "Estado democrático de direito" que Alexandre de Moraes e seus comparsas acreditam representar, ela pergunta: "Quem precisa de AI-5 quando premiados tribunais deste país podem negar cerca de 95% dos habeas corpus encaminhados a eles em um mês, sem estardalhaço algum?".

Lutar contra o fascismo raiz representado pelo bolsonarismo deve ser a luta de todos. Mas a gente não pode esquecer do fascismo Nutella, presente nessa ordem democrática em que os negros respondem por 79% dos mortos pela polícia e 83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico. E que já vinha sendo responsável por um genocídio que já se fazia presente, todos os dias, muito antes de 2018.

Autor: Fausto Salvadori é diretor de redação da Ponte Jornalismo – Texto publicado no Correio da Cidadania.

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