Durante 2020, o governo federal distribuiu R$ 294 bilhões em auxílio emergencial, alcançando 68 milhões de brasileiros que conseguiram pagar algumas contas e alimentar suas famílias, minimizando os efeitos nefastos da pandemia e mantendo níveis mínimos de atividade econômica.
Mas agora, com o fim do auxílio emergencial, a fome bate de novo à porta tornando a situação dramática para parcela desta população que não tem outra fonte de renda, nem está entre os 19 milhões de brasileiros que ainda recebem o Bolsa Família pelo menos mitigando a miséria.
Além disto, o cenário é dramático, com 14 milhões de desempregados, outros tantos milhões de brasileiros morando em favelas ou habitações precárias, centenas de milhares (200 ou 300 mil, segundo estimativas extraoficiais) de pessoas em situação de rua e a maioria passando fome, sem segurança, sem escola para os filhos, sem vida e esperança, ameaçados de forma mais inclemente pelo famigerado vírus que assola o planeta.
E o governo, virando as costas para a nação e para estes brasileiros, elegeu suas prioridades. Entregou aos novos dirigentes do Congresso Nacional uma relação com 35 itens fundamentais para seu mandato.
Entre essas pautas prioritárias governamentais estão projetos que tratam da privatização da Petrobras, da flexibilização da posse e do porte de armas, da revisão de lei de drogas para facilitar a condenação por corrupção de menores, da regulamentação do homeschooling (não sei como irão as crianças aprender em casa, se nem casa têm!), da tipificação da pedofilia como crime hediondo e da inclusão dos militares no chamado excludente de ilicitude que impede a punição por excessos.
Também são essenciais para o Palácio do Planalto matérias como a autonomia do Banco Central, os novos marcos regulatórios da cabotagem (BR do Mar) e do gás, assim como o projeto de lei de regularização fundiária, que opõe ambientalistas e ruralistas.
Estão no rol presidencial duas grandes reformas que se arrastam há tempos: a tributária, onde há uma cesta quase incompreensível de projetos, com poucos apoiadores e muitos opositores, assim como a administrativa, onde o governo e os liberais tentam satanizar os servidores públicos, cujo trabalho e presença na linha de frente foram e seguem sendo fundamentais na pandemia.
Há uma proposta constitucional caracterizada como emergencial, entre outras duas que integravam há quase um ano um chamado Plano Mais Brasil, mas o imbróglio é tão grande e seus efeitos já ultrapassados que não se sabe o que resultará do projeto.
Mas como bem ensinam os articuladores políticos, quem tem tantas prioridades, efetivamente não tem nenhuma, e isto deve ter ficado muito claro ao novo conglomerado político dominante nas duas Casas do Congresso Nacional, o que fará o debate e a tramitação de projetos que, de fato, interessam à sociedade, se postergarem.
Enquanto
isto, o brasileiro está dormindo embaixo de pontes, viadutos e casas de
papelão, sem um tostão no bolso e sem um prato de comida decente. Estas sim são
as prioridades dos brasileiros. Em cada esquina, em cada morro, em cada
comunidade. Para esses deveriam ser o olhar e a atenção do governo e dos
parlamentares.
Autor: Vilson Antonio Romero é jornalista, auditor fiscal aposentado, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), assessor da presidência da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e diretor nacional do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
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