“Não tem um
departamento que cuide de tudo?” “Tem, mas ninguém sabe qual é”.
“O senhor sabe a quem pertence aquela
ponte?
“Aquela? Não sei. Por quê?”
“Passei por baixo e vi que as juntas e
parafusos e umas cordas velhas estão podres, ela vai cair.”
“E o que pretende fazer?”
“Avisar o departamento competente,
antes de uma tragédia. Quem o senhor acha que cuida dela?”
“Quem cuida não sei, nunca se sabe. Ela
pode ser da cidade, do Estado, da União, da ONU, da União Europeia, da Unesco,
do Mercosul, do Dnit, da Vale, essa que nada vale agora, de alguma igreja, de
uma ONG, de um catador de papelão, de um sem-teto.”
“Sabe de alguém que saiba?”
“Não sei, não.”
“Mas alguém precisa saber.”
“Imagine se alguém sabe. Tem ideia de
quantas pontes e viadutos e passagens e pranchas e pontões e pinguelas e
passadeiras e passadiços existem nesta cidade? Ou no País?”
“Não tenho a mínima.”
“Então não me venha com essa! Saiba
primeiro de qual ponte, pontão, passadiço, pinguela, prancha, viaduto, passagem
o senhor está falando. E não me confunda ponte com mata-burro. Depois, vá à
Prefeitura, vá às Regionais, às secretarias, vá ao Trânsito, ao Ministério
Público, ao Supremo, vá às Procuradorias que cuidam de pontes, pontilhões,
passagens, passadiços, pranchas, pontões, pinguelas e faça um requerimento,
pedindo a informação, reconheça a firma, pague os emolumentos, as propinas, as
gorjetas, o que for necessário.”
“Não tem um departamento que cuide de
tudo?”
“Tem, mas ninguém sabe qual. Precisa
saber a que distrito a ponte pertence, em que ano foi construída, vão ter de
procurar os projetos, as plantas, as licitações, os contratos, os alvarás, os
aditivos, os pedidos de vista, as CPIs inúteis, localizar os processos no
Tribunal de Contas, localizar onde estão, em que gavetas ou prateleiras,
estantes ou escaninhos, cofres, receptáculos ou compartimentos, câmaras,
camarinhas, concavidades, reservados, gabinetes, cofres ou algum caixote,
caixinha, cestinho, vaso, alguidar, vasilha, lata, palangana, gomil, jarro,
âmbula, cantil, concha, cumbuca, cápsula, gruta, água-furtada, sótão, bojo,
boião, matraz, barrenhão, cuba, alcarraza, artóforo, edícula, sacrário.”
“Nossa, deixe-me anotar.”
“Não precisa, porque essa ponte ou
viaduto ou pontilhão a que o senhor se refere vai ficar como está, vai até
cair, porque esta cidade, meu senhor, está sem prefeito há décadas. Teve até um
que, eleito, olhou, se desinteressou e deu às de vila Diogo...”
“O que é isso?”
“Uma expressão antiquíssima que quer
dizer, tirou o dele da reta, caiu fora, deixou um substituto que nunca varreu a
cidade, nunca fechou um buraco, limpou um bueiro, uma praça, não corta o mato.
Ninguém fez nada pela cidade, mas se fez eu estava viajando, ou dormindo.”
“O que faço com a ponte, viaduto,
pontilhão, pinguela que vi, está começando a cair?”
“Não faz nada, o senhor não vai
conseguir fazer nada, tanta burocracia, embromação. E acaba sobrando para você.
E eles lá não querem nada que os chateie. Ninguém quer. Melhor arranjar um
emprego no gabinete de algum político, receber seu salário, depositar a
porcentagem devida na conta que te mandarem, e ir ao cinema. Tem bons filmes
passando, quase todos concorrendo ao Oscar. Por que não vamos juntos assistir a
Nasce uma Estrela, com a Lady Gaga?”
“Mas, e a minha ponte?”
“Vai cair, não tem jeito.
Autor: Ignácio
de Loyola Brandão, O Estado de S. Paulo
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