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1 de fevereiro de 2019

Quero avisar que o viaduto está para cair!

“Não tem um departamento que cuide de tudo?” “Tem, mas ninguém sabe qual é”.
“O senhor sabe a quem pertence aquela ponte?
“Aquela? Não sei. Por quê?”
“Passei por baixo e vi que as juntas e parafusos e umas cordas velhas estão podres, ela vai cair.”
“E o que pretende fazer?”
“Avisar o departamento competente, antes de uma tragédia. Quem o senhor acha que cuida dela?”
“Quem cuida não sei, nunca se sabe. Ela pode ser da cidade, do Estado, da União, da ONU, da União Europeia, da Unesco, do Mercosul, do Dnit, da Vale, essa que nada vale agora, de alguma igreja, de uma ONG, de um catador de papelão, de um sem-teto.”
“Sabe de alguém que saiba?”
“Não sei, não.”
“Mas alguém precisa saber.”
“Imagine se alguém sabe. Tem ideia de quantas pontes e viadutos e passagens e pranchas e pontões e pinguelas e passadeiras e passadiços existem nesta cidade? Ou no País?”
“Não tenho a mínima.”
“Então não me venha com essa! Saiba primeiro de qual ponte, pontão, passadiço, pinguela, prancha, viaduto, passagem o senhor está falando. E não me confunda ponte com mata-burro. Depois, vá à Prefeitura, vá às Regionais, às secretarias, vá ao Trânsito, ao Ministério Público, ao Supremo, vá às Procuradorias que cuidam de pontes, pontilhões, passagens, passadiços, pranchas, pontões, pinguelas e faça um requerimento, pedindo a informação, reconheça a firma, pague os emolumentos, as propinas, as gorjetas, o que for necessário.”
“Não tem um departamento que cuide de tudo?”
“Tem, mas ninguém sabe qual. Precisa saber a que distrito a ponte pertence, em que ano foi construída, vão ter de procurar os projetos, as plantas, as licitações, os contratos, os alvarás, os aditivos, os pedidos de vista, as CPIs inúteis, localizar os processos no Tribunal de Contas, localizar onde estão, em que gavetas ou prateleiras, estantes ou escaninhos, cofres, receptáculos ou compartimentos, câmaras, camarinhas, concavidades, reservados, gabinetes, cofres ou algum caixote, caixinha, cestinho, vaso, alguidar, vasilha, lata, palangana, gomil, jarro, âmbula, cantil, concha, cumbuca, cápsula, gruta, água-furtada, sótão, bojo, boião, matraz, barrenhão, cuba, alcarraza, artóforo, edícula, sacrário.”
“Nossa, deixe-me anotar.”
“Não precisa, porque essa ponte ou viaduto ou pontilhão a que o senhor se refere vai ficar como está, vai até cair, porque esta cidade, meu senhor, está sem prefeito há décadas. Teve até um que, eleito, olhou, se desinteressou e deu às de vila Diogo...”
“O que é isso?”
“Uma expressão antiquíssima que quer dizer, tirou o dele da reta, caiu fora, deixou um substituto que nunca varreu a cidade, nunca fechou um buraco, limpou um bueiro, uma praça, não corta o mato. Ninguém fez nada pela cidade, mas se fez eu estava viajando, ou dormindo.”
“O que faço com a ponte, viaduto, pontilhão, pinguela que vi, está começando a cair?”
“Não faz nada, o senhor não vai conseguir fazer nada, tanta burocracia, embromação. E acaba sobrando para você. E eles lá não querem nada que os chateie. Ninguém quer. Melhor arranjar um emprego no gabinete de algum político, receber seu salário, depositar a porcentagem devida na conta que te mandarem, e ir ao cinema. Tem bons filmes passando, quase todos concorrendo ao Oscar. Por que não vamos juntos assistir a Nasce uma Estrela, com a Lady Gaga?”
“Mas, e a minha ponte?”
“Vai cair, não tem jeito.

Autor: Ignácio de Loyola Brandão, O Estado de S. Paulo

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