STF determinou a cassação de Ramagem, mas Motta afirmou que ‘ainda vai consultar o departamento jurídico’ da Casa. A condenação de Bolsonaro e de sua gangue golpista, entre eles Alexandre Ramagem, foi um acontecimento grandioso para o país. Os militares ameaçam a democracia desde a República, mas nunca sofreram qualquer punição. A prisão dos bandidos de farda é um feito inédito e temos muito o que comemorar. Diferente dos EUA, que absolveu um líder golpista e permitiu que ele voltasse ao poder para um segundo mandato ainda mais autoritário, a democracia brasileira tornou o seu tirano inelegível e o colocou na cadeia. Não é pouca coisa.
Mas o golpismo continua à espreita e convém manter-se vigilante. A fuga de Alexandre Ramagem, às vésperas de ser condenado a 16 anos de prisão, é desmoralizante para o STF, que agora assiste a um réu condenado atacando a justiça brasileira do exterior. É vergonhoso também para a Polícia Federal, que permitiu que um criminoso dessa magnitude fugisse do país mesmo com passaporte cancelado. Nos EUA, Ramagem passou a desafiar Alexandre de Moraes — a quem chama de “violador de direitos humanos” e “tirano de toga” — e a pedir sua extradição. Ele alega estar seguro nos EUA pois tem a “anuência” do governo de Donald Trump. É vexatório para o estado brasileiro ver um criminoso desse quilate escapar para o exterior e engrossar a campanha internacional de difamação da democracia brasileira, iniciada por Eduardo Bolsonaro.
Ramagem é potencialmente mais perigoso
Ramagem
não foi qualquer um na trama golpista. Ele usou a estrutura da Abin para
monitorar clandestinamente adversários políticos do bolsonarismo e dar apoio a
tentativas de ruptura institucional. Durante 3 anos do mandato de Jair
Bolsonaro, ele teve acessos a informações do interesse da soberania nacional
brasileira.
Sem nenhum freio moral, Ramagem usou e abusou do aparato de inteligência do
estado. A Abin foi transformada em um órgão a serviço do bolsonarismo.
Montou-se ali uma estrutura de espionagem da qual Ramagem era o líder
operacional. Segundo a PF, quase 2 mil pessoas consideradas inimigas do
bolsonarismo foram monitoradas pelo software de espionagem israelense
FirstMile.
O programa foi acessado mais de 30 mil vezes contra jornalistas, políticos,
advogados, militantes, policiais, ministros do STF e quem mais estivesse na
mira do bolsonarismo. O delegado do caso Marielle e procuradores que atuaram
contra Bolsonaro tiveram seus passos monitorados. Até mesmo alguns aliados
foram investigados pelo esquema de Ramagem.
Esse é o
homem que fugiu para os EUA e diz estar agora sob proteção do governo Trump. No
Brasil, ele usou essas informações obtidas de forma ilegal para auxiliar os
ataques de Bolsonaro contra as urnas eletrônica. Agora, pode usá-las em favor
de Donald Trump em troca de proteção. Um criminoso foragido, munido de segredos
de estado, está em solo americano em um momento turbulento das relações
diplomáticas entre os dois países.
Segundo um servidor da Abin ouvido pelo ICL Notícias, Ramagem é, entre os
condenados que fugiram, potencialmente o mais perigoso. “É quem teve maior
acesso a documentos restritos, materiais sigilosos e contatos sensíveis.
Participou de viagens institucionais e acompanhou de perto informações
estratégicas. Por isso, o risco representado por ele é muito maior”, revelou o
servidor. Não nos esqueçamos que, ao sair da Abin em 2022, Ramagem roubou um
notebook e um celular que pertenciam à agência e os levou para sua casa.
Não podemos confiar em Trump
Recentemente,
os ataques do governo americano contra a soberania brasileira arrefeceram, mas
a imprevisibilidade de Trump pode mudar tudo outra vez. Se isso acontecer, o
presidente americano terá ao seu lado um aliado valiosíssimo. Conforme lembrou
o jornalista Octávio Guedes da Globo News, Ramagem participou da Operação
Paraguai, criada para investigar suspeitas de que o governo Trump estava por
trás de uma campanha liderada por ONGs para que aquele país parasse de vender
energia excedente da hidrelétrica de Itaipu para o Brasil.
Em maio deste ano, o secretário americano Marco Rubio demonstrou publicamente o
interesse dos EUA em comprar energia de Itaipu para alimentar os data centers
de inteligência artificial. Agora, Ramagem está lá balançando o rabinho pro Tio
Sam. O apátrida que se diz patriota não hesitará em municiar o presidente
americano em troca de proteção. Esse é o tamanho da brecha dada pelo STF e pela
PF ao permitir a fuga do criminoso. O pedido de extradição do deputado cairá
nas mãos do próprio Marco Rubio e se tornará mais um problema com que a
diplomacia brasileira terá que lidar.
A Câmara dos Deputados até agora tem sido uma mãe com o criminoso. Desde que fugiu, Ramagem participou de 24 sessões e conseguiu votar remotamente em 132 propostas. Até a última terça-feira, o criminoso tinha direito a voto na Câmara. É um acinte à democracia brasileira que só é possível graças à leniência e à frouxidão do presidente Hugo Motta.
Chegou-se ao cúmulo do foragido apresentar à Câmara pedidos de reembolso de gastos em postos de gasolina no Rio de Janeiro enquanto está nos EUA. A verba parlamentar foi usada por terceiros para o abastecimento de carros, o que é proibido pelo regimento da casa. Ou seja, o criminoso tentou dar um golpe na democracia, fugiu para outro país e agora manda as notas para a “casa do povo” para cobrir seus gastos com gasolina. O golpista continua desfrutando de salário e das verbas do gabinete.
Hugo Motta trata decisão do STF com desdém
Depois da fuga, o STF determinou a cassação do deputado, mas Motta continua se fazendo de louco. Ele afirmou que “ainda vai consultar o departamento jurídico” da Casa, antes de qualquer decisão relativa à cassação do mandato de Ramagem. O presidente da Câmara está tratando uma determinação do STF com desdém. A cassação imediata do mandato de Ramagem é uma obrigação legal. Hugo Motta está desafiando o STF ao tratar a determinação como um pedido passível de aval do departamento jurídico da Câmara.
Colocar Jair Bolsonaro e seus capangas golpistas na cadeia foi um avanço enorme e histórico para a democracia brasileira, mas ainda há muito o que se fazer. Deixar que Ramagem volte a conspirar contra o país depois de ser condenado por participar de uma tentativa de golpe é um erro grave demais para ser ignorado. STF e PF devem ser louvados pela ação contra o golpismo, mas um erro desse naipe pode colocar tudo a perder no futuro. Já do presidente Hugo Motta não se pode esperar nada mesmo. Se dependesse dele, Eduardo Bolsonaro, Zambelli e Ramagem poderiam formar a “bancada dos fugitivos” no exterior.
Autor: João Filho – Publicado no Site Intercept_Brasil.
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