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20 de abril de 2025

Por que nunca estive tão apavorado com o futuro dos EUA como agora?

Esse governo Trump 2 não passa de uma farsa cruel e os EUA estão se transformando em uma nação delinquente.

Tanta loucura acontece no governo Trump todos os dias que algumas coisas absolutamente estranhas, mas incrivelmente reveladoras se perdem no ruído. Um exemplo recente foi a cena de 8 de abril na Casa Branca, na qual, em meio à sua acirrada guerra comercial, nosso presidente decidiu que era o momento perfeito para assinar um decreto destinado a impulsionar mineração de carvão. “Estamos trazendo de volta uma indústria que foi abandonada”, disse o presidente Donald Trump cercado por mineiros de carvão com capacetes, membros de uma força laboral que caiu de 70 mil trabalhadores para cerca de 40 mil na década recente, segundo noticiou a Reuters. “Vamos colocar os mineiros de volta ao trabalho.” Para completar, Trump acrescentou sobre esses mineiros: “Se lhes déssemos uma cobertura na Quinta Avenida e um outro tipo de emprego eles ficariam infelizes. Eles querem minerar carvão, é isso o que eles amam fazer”.

É louvável que o presidente homenageie homens e mulheres que trabalham com as mãos. Mas escolher elogiar mineiros de carvão ao mesmo tempo que tenta zerar a geração de empregos em tecnologias limpas — em 2023, a indústria de energia eólica dos EUA empregava aproximadamente 130 mil trabalhadores, e a indústria de energia solar, 280 mil — sugere que Trump está preso a uma ideologia de direita que não reconhece os empregos nas indústrias verdes como trabalhos “reais”. De que forma isso nos fortaleceria? Esse governo Trump 2 não passa de uma farsa cruel. Trump concorreu a outro mandato não por saber minimamente como transformar os Estados Unidos para o século 21. Ele concorreu para ficar fora da cadeia e se vingar daqueles que, com evidências reais, tentaram responsabilizá-lo perante a lei. Duvido que ele já tenha passado cinco minutos estudando a força de trabalho do futuro.

presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de um evento na Casa Branca  Foto Manuel Balce Ceneta - AP.

Portanto Trump retornou à Casa Branca com a cabeça ainda repleta de ideias dos anos 70. De volta ao poder, ele lançou uma guerra comercial sem aliados nem nenhuma preparação séria — razão pela qual ele altera suas tarifas quase que diariamente — e sem compreender a medida em que a economia global é atualmente um ecossistema complexo no qual produtos são montados a partir de componentes fabricados em vários países. E então ele nomeia para travar essa guerra um secretário de Comércio que acredita que milhões de americanos estão mortos de vontade de substituir os trabalhadores chineses “que aparafusam pequenos parafusos para fabricar iPhones”.

Mas essa farsa está prestes a afetar todos os americanos. Ao atacar nossos aliados mais próximos — o Canadá, o México, o Japão, a Coréia do Sul e a União Europeia — e nossa maior rival, a China, ao mesmo tempo deixando claro que favorece a Rússia em vez da Ucrânia e prefere indústrias de energia que destroem o meio ambiente a indústrias voltadas para o futuro, e o planeta que se dane, Trump está provocando uma grave perda de confiança global nos EUA. O mundo percebe agora os EUA de Trump exatamente na forma que o país está se tornando: uma nação delinquente, liderada por um ditador impulsivo e desconectado em relação ao estado de direito e a outros princípios e valores constitucionais americanos.

E vocês sabem o que nossos aliados democráticos fazem com Estados delinquentes? Liguemos alguns pontos. Primeiro, eles deixam de comprar títulos do Tesouro como antes. Portanto, os EUA precisarão oferecer-lhes taxas de juros mais altas para que isso aconteça — o que afetará toda a nossa economia, do financiamento de carros até o financiamento imobiliário, passando pelo custo dos serviços da dívida nacional, em detrimento de tudo mais.

“Será que as decisões espasmódicas e os impostos aduaneiros do presidente Trump estão fazendo com que os investidores do mundo se afastem do dólar e dos títulos do Tesouro dos EUA?”, questionou um editorial do Wall Street Journal, no domingo, sob o título “Existe um novo prêmio de risco para os EUA?”. É cedo demais para dizer, mas não para questionar, já que os rendimentos dos títulos continuam subindo e o dólar continua se enfraquecendo — sinais clássicos de uma perda de confiança que não precisa ser muito grande para surtir um impacto significativo sobre toda a nossa economia.

Instituições

Outra coisa: nossos aliados vêm deixando de acreditar em nossas instituições. O Financial Times noticiou na segunda-feira que a comissão que governa a União Europeia “está distribuindo telefones descartáveis e laptops básicos para alguns funcionários que viajam aos EUA para evitar o risco de espionagem, uma medida tradicionalmente reservada para viagens à China”. A UE deixou de acreditar no estado de direito nos EUA.

A terceira coisa que pessoas de outros países têm feito é dizer a si mesmas e aos seus filhos — e eu ouvi isso repetidamente na China poucas semanas atrás — que talvez não seja mais uma boa ideia estudar nos EUA. O motivo: acham que seus filhos e parentes poderão ser presos arbitrariamente e deportados para prisões salvadorenhas. Isso é irreversível? Minha única certeza hoje é que, em algum lugar por aí, enquanto vocês leem este texto, existem indivíduos como o pai biológico de Steve Jobs, um sírio que veio para o nosso país na década de 50 cursar um doutorado na Universidade de Wisconsin, alguém que planejava estudar nos EUA, mas que agora pensa em ir para o Canadá ou para a Europa.

Se encolhemos tudo isso — nossa capacidade de atrair os imigrantes mais enérgicos e empreendedores do mundo, o que nos permitiu ser o centro mundial de inovação; nosso poder de atrair uma parcela desproporcional da poupança mundial, o que nos permitiu viver além de nossas possibilidades por décadas; e nossa reputação de defensores do estado de direito — com o tempo veremos EUA menos prósperos, menos respeitados e cada vez mais isolados. Mas espera aí, vocês podem dizer, a China também não continua extraindo carvão? Sim, continua, mas com um plano de longo prazo para eliminá-lo gradualmente e usar robôs para fazer o trabalho perigoso e prejudicial à saúde dos mineradores.

Longo prazo

E eis a questão. Enquanto Trump faz seu “planejamento” — divagando sobre qualquer assunto que lhe pareça uma boa política num determinado momento — a China planeja a longo prazo. Em 2015, um ano antes de Trump virar presidente, o então primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, revelou um plano de crescimento voltado para o futuro chamado “Made in China 2025″. O plano começou perguntando: qual será o motor de crescimento no século 21? Pequim fez então enormes investimentos nos componentes desse motor para que as empresas chinesas fossem capazes de dominá-lo no país e no exterior. Estamos falando de energia limpa, baterias, veículos elétricos e autônomos, robôs, novos materiais, máquinas ferramentas, drones, computação quântica e inteligência artificial.

O Nature Index mais recente mostra que a China se tornou “líder global em produção de pesquisa em bancos de dados em química, ciências da terra e ambientais e ciências físicas — e é o segundo em ciências biológicas e ciências da saúde”.  Isso significa que a China nos deixará para trás? Não. Pequim está cometendo um erro enorme se pensa que o restante do mundo vai deixar a China suprimir indefinidamente sua demanda interna por bens e serviços para que seu governo possa continuar subsidiando indústrias exportadoras e tentar fabricar tudo para o mundo inteiro, deixando os outros países esvaziados e dependentes. Pequim precisa reequilibrar sua economia, e Trump está certo em pressioná-la a fazê-lo.

Mas a arrogância constante de Trump e sua imposição intermitente de tarifas não são uma estratégia — não quando se enfrenta a China no 10.º aniversário de sua política Made in China 2025. Se o secretário do Tesouro, Scott Bessent, realmente acredita no que declarou estupidamente, que Pequim está “jogando com um par de dois” apenas, então alguém por favor me avise quando for noite de pôquer na Casa Branca, porque eu gostaria de jogar. A China construiu um motor econômico que lhe dá opções.

A questão para Pequim — e para o restante do mundo — é: como a China usará todos os superávits que gerou? Investindo na construção de um Exército mais ameaçador? Em mais ferrovias de alta velocidade e rodovias de seis pistas para cidades que não precisam delas? Ou em mais consumo e serviços domésticos ao mesmo tempo que se oferece para construir a próxima geração de fábricas e cadeias de fornecimento chinesas nos EUA e na Europa, com estruturas de propriedade 50-50? Nós precisamos encorajar a China a fazer as escolhas certas. Mas pelo menos a China tem opções.

Comparem isso com as escolhas que Trump está fazendo. Trump está minando nosso sagrado estado de direito, afastando nossos aliados, enfraquecendo o valor do dólar e destruindo qualquer esperança de unidade nacional. Trump fez até os canadenses boicotarem Las Vegas porque eles não gostam de ouvir que logo nós seremos donos de seu país.

Então, me digam, quem está jogando com um par de dois?

Se não parar com seu comportamento delinquente, Trump destruirá tudo o que tornou os EUA fortes, respeitados e prósperos.

Nunca em minha vida eu temi tanto pelo futuro dos EUA. / Tradução de Guilherme Russo.

Autor: Thomas Friedman é colunista de assuntos internacionais do The New York Times e ganhador de três prêmios Pulitzer. É autor de sete livros, entre eles 'De Beirute a Jerusalém', que venceu o Prêmio Nacional do Livro. Publicado no Jornal O Estado de São Paulo.

17 de abril de 2025

As veias abertas que já não encantavam tanto Eduardo Galeano!

                        O escritor e ativista uruguaio Eduardo Galeano – Foto Reuters.

Uma informação que é mais do que uma curiosidade. Um ano antes de morrer, Eduardo Galeano – agora lembrado de novo por causa da fala de um porta-voz do governo chinês – deu declarações surpreendentes sobre sua principal obra – “As veias abertas da América Latina”.

Galeano achava que o livro adorado pelas esquerdas era frágil como abordagem do que ele definia como uma obra de economia política de um jovem sem lastro para tamanha empreitada. Só faltou pedir que não lessem mais o livro.

Ele disse, na 2ª Bienal do Livro de Brasília: “Eu não seria capaz de ler de novo. Cairia desmaiado. A Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu não tinha a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada”.

Pois agora, ao atacar o governo americano, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, disse, claramente inspirado no livro e em Galeano:

“As veias abertas da América Latina foram causadas pelo saque e pela dominação histórica dos Estados Unidos, que não têm autoridade moral para criticar a cooperação entre a China e os países latino-americanos”.

       O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian – Foto Reprodução
 

Em 2008, entrevistei Galeano por e-mail. Até ali, não tinha aparecido a controvérsia sobre o livro As veias abertas.

Publico o link de Zero Hora para a entrevista, republicada quando ele morreu em 2015. O link de ZH está com acesso liberado. Mas quem não conseguir acessar pode pegar outro link do meu blog, logo abaixo.

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2015/04/eduardo-galeano-me-apaixona-a-realidade-com-suas-historias-secretas-e-suas-zonas-invisiveis-4738955.html

https://www.blogdomoisesmendes.com.br/galeano-e-a-ditadura-universal-do-medo/

Autor: Moisés Mendes – é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - Publicado no Site DCM.
https://www.blogdomoisesmendes.com.br/ 

15 de abril de 2025

Microplásticos, fotossíntese e o risco de milhões passarem fome!

Eles estão em todo lugar, no nosso cérebro e na superfície das folhas, impedindo as plantas de se alimentarem.

Outro dia, na redação da Agência Pública, a colega Mariama Correia soltou uma interjeição de puro choque diante de uma notícia: “Vocês viram que a quantidade de microplástico que a gente tem no cérebro é equivalente a uma colherinha de plástico?”. Tinha passado batido por mim mais esse estudo que mostra como os microplásticos se tornaram onipresentes no nosso mundo, em outros animais, nos nossos próprios corpos. A cada hora a gente descobre que esses danados chegaram a mais algum lugar e ameaçam a saúde humana e do planeta. Foi inevitável imaginar uma daquelas colheres branquinhas que a gente usa apenas uma vez e logo joga fora boiando na minha cabeça.

Não é assim, claro, mas você entendeu.

O trabalho, que foi publicado em fevereiro na revista Nature Medicine, apontou que amostras de cérebro de pessoas que morreram em 2024 tinham quase 50% mais microplásticos do que amostras das que morreram em 2016. E os cérebros de pessoas com demência tinham muito mais microplásticos do que de quem não tinha demência, sugerindo uma relação entre as partículas e a doença.

O New York Times fez uma boa reportagem sobre o assunto e dá para ler uma tradução na Folha. O trecho que explica a ideia da colherinha é esse: “A concentração média de microplásticos em 24 cérebros humanos de 2024 era de quase 5.000 microgramas por grama. Isso é cerca de 7 gramas de plástico por cérebro – tanto quanto compõe uma colher descartável, ou cerca de cinco tampas de garrafa de água”. Apavorante.

Mas, ao procurar por essa história, me deparei com uma outra também sobre os riscos de microplásticos que, honestamente, me assustou ainda mais. A poluição por essas micropartículas já está sendo capaz de reduzir a capacidade de plantas de fazerem fotossíntese. Grosso modo, ao se grudarem nas folhas, por exemplo, os microplásticos impedem que elas absorvam a luz.

O trabalho, publicado em março na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), estimou que já houve uma redução de 7% a 12% na fotossíntese de plantas terrestres e de algas marinhas e de água doce. Fotossíntese, para quem não lembra das aulas de biologia e química, é a forma como as plantas se alimentam, basicamente transformando luz, água e gás carbônico em açúcar e oxigênio.

Sem fazer fotossíntese, claro, elas morrem. E isso já está sendo observado em plantas que a gente consome em gigantescas quantidades em todo o mundo. Os pesquisadores estimam que a poluição plástica já levou a perdas de 4% a 13,52% nas plantações de trigo, arroz e milho.

“A humanidade tem se esforçado para aumentar a produção de alimentos para alimentar uma população cada vez maior; esses esforços contínuos agora estão sendo prejudicados pela poluição plástica”, afirmam os pesquisadores, liderados por Huan Zhong, da Universidade de Nanquim, na China. Segundo eles, as descobertas ressaltam a urgência de agir para reduzir essa poluição a fim de proteger o suprimento global de alimentos.

Um cenário que pode ficar ainda pior quanto mais plástico a gente jogar no ambiente. E que se soma a outra ameaça à produção agrícola – as mudanças climáticas –, que ano a ano já têm levado a severas quebras de safra em todo o mundo. O preço do café, do azeite, do cacau que o digam!

Mas não são só os altos preços o problema. O alerta dos pesquisadores é que isso pode significar um risco iminente de aumento da fome no mundo. Eles apontam que, em 2022, cerca de 700 milhões de pessoas foram afetadas pela fome em todo o mundo em consequência de conflitos, eventos climáticos extremos, choques econômicos e aumento da desigualdade.

“Espera-se que a exposição aos microplásticos exacerba essa crise, com o aumento de centenas de milhões de pessoas sob risco de fome”, escrevem os autores. O cálculo que eles fazem é de que pelo mais 400 milhões de pessoas entrem nessas condições nas próximas duas décadas em decorrência do aumento da poluição.

As crises ambientais se juntam e se intensificam. É preciso lidar com todas ao mesmo tempo e agora.

Autora: Giovana Girardi - Chefe da Cobertura Socioambiental. Publicado no Site Publica – Agencia de Jornalismo Investigativo.