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10 de fevereiro de 2023

Banco Central “independente”: a última linha de defesa do neoliberalismo atrasado?

Lula não poupou críticas à gestão do atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Segundo o presidente da República, não há justificativa para a manutenção da taxa básica de juros no patamar atual de 13,75%. Lula também criticou a meta de inflação de 3%, observando que a meta muito baixa é irrealista e força o Banco Central a adotar uma política muito restritiva.

             Na imagem, edifício sede do Banco Central, em Brasília - Foto Agência Brasil.

A imprensa empresarial foi rápida em contra-atacar as falas de Lula, como se fosse assessoria de imprensa do neto de ministro da ditadura e banqueiro, que atualmente ocupa a presidência do Banco Central. Aqui cabe notar a principal linha de ataque da imprensa e dos comentaristas neoliberais: tratam a crítica do presidente Lula como um argumento meramente político e a posição do Banco Central como “econômica” ou “técnica”. A estratégia é velha: desqualificar o campo popular como desprovido do conhecimento técnico necessário para intervir no debate econômico.

Velho preconceito de classe

A imprensa empresarial está errada nas duas questões. Primeiro, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, tem uma atuação tão política quanto o presidente Lula. Neoliberal de carteirinha, o presidente do Banco Central “independente” frequentou eventos políticos do governo Bolsonaro, porque considera todos os ministros “técnicos”. Além disso, o presidente do Banco Central continuava a participar de grupos de WhatsApp de ministros do último governo mesmo depois da tentativa de golpe. Campos Neto também teve suas empresas offshore flagradas nos Panama Papers, mostrando que ele mantém dinheiro em contas no exterior.

Pior, em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (o Copom) manteve o Brasil com a maior taxa de juros real (a taxa de juros menos a inflação) do mundo apesar de notar que tanto a economia internacional como a economia brasileira não estão dando sinais de aquecimento, o que justificaria, em tese, uma redução dos juros estratosféricos.

O Comitê se baseou apenas na “desancoragem das expectativas”, que atribuiu à incerteza sobre a trajetória fiscal. Em outras palavras, o Banco Central está baseando sua atuação no que os operadores do mercado financeiro acham sobre a política fiscal do governo Lula—vamos lembrar que a opinião das centrais sindicais ou mesmo dos industriais não é muito relevante para o Banco Central. E está tratando a opinião do mercado como dogma, ao invés de olhar para a realidade econômica e avaliar se estão certos ou não.

Portanto, os comentaristas liberais e a imprensa empresarial estão errados por considerar Roberto Campos Neto como um “técnico”. Também estão totalmente errados quanto a Lula: o presidente articula uma visão da economia muito clara e compartilhada por diversos economistas de peso, inclusive do campo liberal, como é o caso de André Lara Resende, criador do Plano Real. A ideia de que Lula não sabe o que fala sobre economia e entende apenas de política é só o velho preconceito de classe.

Visão de Lula sobre a economia

Vamos então apresentar a visão do presidente e de economistas do campo popular. A inflação atual, que já está cedendo, tem origem em um “choque de oferta”: os efeitos da guerra nos preços de combustíveis e os efeitos da pandemia na ruptura das cadeias globais de suprimento. A taxa de juros é um péssimo remédio para esses problemas.

Campos Neto não tem como terminar a guerra na Ucrânia com a taxa de juros. Mesmo para controlar a taxa de câmbio, que traduz esses efeitos para a economia brasileira, a taxa de juros é uma ferramenta ineficiente, especialmente para um país que tem reservas internacionais em abundância e pode usá-las para controlar o câmbio diretamente.

Na política monetária, o presidente deu a letra. Como a inflação não é de oferta, o jeito é absorver o choque. Aceitar que a meta de inflação vai ter que ser mais alta durante um tempo (como de fato tem sido). Fingir que uma meta de 3% é viável apenas força o Banco Central a jogar a taxa de juros nas alturas para “mostrar serviço” sabendo que não vai dar conta do recado até o fim do ano. A especulação de curto prazo pode ser respondida com controle do câmbio e do fluxo de capitais de curto prazo.

O governo sabe que a resposta está fora da política monetária. Se o problema é de oferta, a resposta deve ser de oferta. Aqui a proposta é acomodar o choque externo e melhorar a capacidade do país de reagir a choques futuros. No campo da energia, retomar os investimentos na Petrobrás para refinar mais combustíveis no Brasil. Voltar a produzir fertilizantes aqui. Interromper a distribuição de dividendos mais grotesca do mercado acionário e usar a função social da estatal para amortecer os choques externos.

A política industrial e de empréstimos também vai nessa linha. Fomentar a retomada da indústria brasileira e dos investimentos de grande porte para desafogar gargalos de custo na economia. A reforma tributária, junto com medidas já anunciadas por Haddad (e que o próprio Banco Central elogia) também deve reduzir o custo de lidar com a tributação no país, além de torna-la mais justa.

No campo da política alimentar, retomar os estoques reguladores da Conab e as políticas para agricultura familiar e garantia da alimentação. Assim garantimos que os preços dos alimentos não vão flutuar tanto e, se aumentarem, não vão dificultar o acesso a uma alimentação básica por meio dos programas do governo.

No campo fiscal, o governo prepara um novo arcabouço fiscal que seja coerente com as demandas sociais do país, mas sem nenhum “liberou geral”. Justamente o contrário do teto de gastos, que era rígido de mais na letra da lei, mas impossível de ser cumprido na prática.

Como podemos ver, há um programa claro. Não é só “política”. É política e é economia. A decisão do campo neoliberal de esconder essas propostas das páginas dos seus jornais tem nome: medo de ter que fazer um debate aberto. Sabem que o neoliberalismo atrasado que pregam não é praticado em lugar nenhum do mundo. Nem o governo dos Estados Unidos leva a sério esse tipo de ideia, pois praticam uma política industrial agressiva para trazer a produção industrial de volta para o país.

Se abrem o debate, perdem o controle para o campo popular. Com a frente ampla construída por Lula, que inclui o vice-presidente Geraldo Alckmin coordenando a política industrial, o neoliberalismo brasileiro está desesperado para proteger a última linha de defesa que possuem: o mito do banco central independente. Não vão resistir.

Pedro Faria é economista e doutor em história. É pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, ao Instituto Economias e Planejamento e militante do Movimento Brasil Popular.

No campo fiscal, o governo prepara um novo arcabouço fiscal que seja coerente com as demandas sociais do país, mas sem nenhum “liberou geral”. Justamente o contrário do teto de gastos, que era rígido de mais na letra da lei, mas impossível de ser cumprido na prática.

Como podemos ver, há um programa claro. Não é só “política”. É política e é economia. A decisão do campo neoliberal de esconder essas propostas das páginas dos seus jornais tem nome: medo de ter que fazer um debate aberto. Sabem que o neoliberalismo atrasado que pregam não é praticado em lugar nenhum do mundo. Nem o governo dos Estados Unidos leva a sério esse tipo de ideia, pois praticam uma política industrial agressiva para trazer a produção industrial de volta para o país.

Se abrem o debate, perdem o controle para o campo popular. Com a frente ampla construída por Lula, que inclui o vice-presidente Geraldo Alckmin coordenando a política industrial, o neoliberalismo brasileiro está desesperado para proteger a última linha de defesa que possuem: o mito do banco central independente. Não vão resistir.

Autor: Pedro Faria é economista e doutor em história. É pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, ao Instituto Economias e Planejamento e militante do Movimento Brasil Popular.

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