A tecnologia é fascinante. Sou grande usuária das redes sociais, pessoal e profissionalmente. Adoro as inovações que facilitam as nossas vidas, encurtam distâncias, aceleram a produção de equipamentos e agilizam as decisões. Hoje, temos a oportunidade de, rapidamente, unir o mundo em torno de um tema importante, de uma ameaça, de um pedido de socorro, convocando uma legião de pessoas em nome de um bem maior.
Capacitar profissionais em massa, independentemente de onde estiverem, tornou-se muito mais fácil a um custo bem menor. Conhecimento e expertise dos melhores centros de saúde cruzam o planeta em tempo real, salvando vidas em lugares remotos e carentes de especialistas. Os braços de um robô, por exemplo, podem levar precisão em procedimentos complexos sendo operados por cirurgiões a milhares de quilômetros.
No entanto, uma moeda sempre tem dois lados. Cada vez mais conectados e
dependentes da tecnologia, muitas vezes deixamos de lado a nossa essência e a
nossa humanidade. Para o físico Marcelo Gleiser, um dos maiores pensadores
da atualidade e que encerrou o Fronteiras do Pensamento de 2022, essa
integração humano-tecnológica e os grandes avanços do século 21 trazem muitas
promessas. Mas, também, muitas ameaças. Segundo ele, “esta é a década das
grandes decisões, quando as nossas escolhas vão definir se abriremos um caminho
sustentável para o futuro da civilização”.
Um grande dilema nesse sentido é a tecnologia substituindo o trabalho das pessoas. Quem não se atualiza e não acompanha a evolução tem pouco espaço nesta era que está cada vez mais digital. Vimos isso no passado com a revolução industrial, quando máquinas passaram a substituir a produção manual dos trabalhadores. Com a evolução, é necessário readequar e capacitar os profissionais para que acompanhem os avanços, reposicionando-os para que continuem sendo úteis à sociedade.
Outra grande questão: será que a inteligência artificial vai nos
substituir e nos tornaremos obsoletos? Na verdade, o futuro está dentro do
cérebro humano que pode ter sua inteligência ampliada pelas máquinas. Criamos
algoritmos inteligentes que se baseiam em padrões aprendidos e, com alta
velocidade, selecionam os melhores resultados. Ou seja, a tecnologia nos
apoiando e aperfeiçoando nos leva a soluções antes impossíveis, agilizando os
processos e deixando ao homem as decisões finais e mais relevantes.
Gleiser traz à discussão o quanto a explosão tecnológica nos levou à situação
em que nos encontramos hoje, que “ameaça” a sobrevivência na Terra. A natureza
foi se transformando e sendo explorada com a modernização das cidades e com a
descoberta do petróleo e dos combustíveis fósseis poluentes. Pagamos o preço
com as mudanças climáticas, erupções vulcânicas, maremotos, terremotos e epidemias.
Apesar desses desafios, persisto otimista e acredito na humanidade, na sua
capacidade de adaptação e compaixão. Creio que uma grande parte das pessoas
entendeu que é hora de mudar esta história. A pandemia da
covid-19 foi o melhor exemplo. Ela mostrou a nossa fragilidade e a
urgência de atuarmos colaborativamente para encontrar uma solução rápida para
uma ameaça que poderia ter nos exterminado.
E nós – mobilizados com um objetivo comum e apoiados pela tecnologia, mas
especialmente pelo brilhantismo do cérebro humano – provamos do que somos
capazes. Criamos vacinas e realizamos estudos clínicos internacionais
fundamentais em tempo recorde. Entendemos a importância
da telemedicina para levar atendimento em tempo real a regiões com
carência de profissionais e especialistas. Aprendemos a enxergar o outro
levando solidariedade e esperança a comunidades carentes.
Nos conectamos mais e percebemos o quanto a tecnologia encurta distâncias e
reduz a saudade da família e dos amigos num momento que foi mais ameaçador à
vida do que uma guerra. A pandemia nos tornou mais humanos. Nos fez ver o
quanto nos faz falta o olho no olho, o abraço apertado, o beijo do reencontro.
O momento também nos fez perceber que grande parte dessas questões não são
apenas responsabilidade dos governantes. Faço das palavras de Gleiser as minhas
neste momento de reflexão: “Nós temos de decidir em que mundo queremos viver e
qual é o nosso papel. Nós temos de tomar as rédeas do nosso futuro. Essa
realidade tem de estar na cabeça e no coração de cada um de nós, e cada pessoa
poderá ser uma poderosa ferramenta de transformação do mundo atual”.
Autora: Sheila Ouriques Martins é Chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento e escreveu este artigo para ser publicado, em primeira mão, no Caderno Doc da Zero Hora (03/12/2022).
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