Seguidores

4 de dezembro de 2021

Cinquenta tons de laicismo!

 No século passado, nosso país era considerado uma das maiores nações católicas do mundo. A proporção de católicos era bem superior às demais religiões. Porém, isso não trazia problemas na administração pública, considerada inclusive na nossa Constituição como uma Nação laica.  Ou seja, o Estado não tinha uma religião, mas respeitava a todas as que eram professadas no país.

Não havia no meio político nenhuma discussão sobre preferências religiosas, mas sempre o respeito por todas as que existiam. Entretanto, as religiões evangélicas oriundas do movimento que reúne vários sub movimentos, sendo os principais Anabatismo, Igreja Batista e Pentecostalismo, foram crescendo e se expandindo dentro do Brasil.

Aqui como não poderia deixar de ser, esse crescimento veio acompanhado de um grupo de charlatães que tomaram posse de algumas destas igrejas. Compraram horário em rádio e televisão, depois compraram emissoras de rádio e TV. Esse grupo de cinco ou seis grandes congregações religiosas e seus “donos” perceberam que precisariam estar no meio político para poder manter e ampliar conquistas.

Assim, começaram a lançar pastores nas eleições para vereadores, deputados estaduais e federais e até senadores. Isso acabou promovendo na Câmara Federal a organização da chamada “Bancada da Fé”.

Gananciosos, felizes com o crescimento das bancadas e das benesses alcançadas, eles então resolveram lançar um candidato à presidência da república em 2018. O então católico Jair Messias Bolsonaro, trocou de partido, foi para o PSC, batizado nas águas do Rio Jordão por um pastor/presidente do partido. Em seguida, trocou de partido e se lançou candidato pelo PSL.

Eleito, promoveu uma avalanche de nomeações de militares da reserva e de pessoas ligadas ou indicadas pelos pastores evangélicos que apoiaram sua campanha. Vieram então os ministros Damares, Milton Ribeiro, André Mendonça e muitos outros. Agora, falam abertamente em ter um evangélico na chapa como vice presidente em 2022.

Além das pautas de costumes, pastores se aproximam da agenda da educação e realizam encontro com dirigentes da fundação Lemann. Nunca tiveram tanto protagonismo — e é neles que Bolsonaro aposta sua sobrevivência. Bolsonaro foi muito bem instruído no discurso que alimentou a pauta de costumes de sua campanha, afetando fortemente o imaginário evangélico conservador calcado na proteção da família tradicional, na heteronormatividade e no controle dos corpos das mulheres.

Ou seja, há um movimento de orientação de Bolsonaro para que ele possa aderir a pautas que são preciosas aos fiéis e esses, por sua vez, veem nele a capacidade de implementação de sua visão política. Foi muito caro a muitos evangélicos imaginar ter no poder maior do país alguém defensor de suas pautas, como ‘homem simples, do povo, que fala o que pensa e isto parece ter sido um propulsor do voto que descarregaram em Bolsonaro.

Em 1970, a teóloga alemã Dorothee Sölle criou o termo “cristofascismo” para se referir às relações entre o partido nazista e as igrejas cristãs no desenvolvimento do Terceiro Reich. Em 2020, ao lançar o livro “Pandemia cristofascista” (Editora Recriar), o também teólogo Fábio Py, docente do Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais da UENF, resgatou o termo, trazendo-o para o contexto brasileiro. O cristofascismo brasileiro é, segundo Py, a aliança entre igrejas cristãs e bolsonaristas para a implantação de um governo autoritário, com características neofascistas e ultraliberais. 

São muitas as analogias com o cristofascismo alemão. Assim como Hitler, Bolsonaro utiliza jargões cristãos como parte preponderante de seus discursos, como o clássico “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Assim como o ditador nazista, o presidente brasileiro também participa de eventos promovidos pelas igrejas cristãs, relacionando-se com seus líderes. E, dentre suas estratégias para alçar o poder e manter sua imagem em alta, se vale de seguidas conversões ao cristianismo. 

A artimanha construída pela cúpula o desenha numa cristologia profana, apontando-o como messias, servo sofredor, ungido e eleito da nação. Faz isso para reagrupar as forças a fim de manter, a duras chicotadas, a implementação de medidas ultraliberais que hoje entregam à morte os mais vulneráveis

As religiões, os pastores e seus fiéis estão sendo usados de forma descarada por um político cuja trajetória medíocre é conhecida há mais de trinta anos. Entretanto alguns fatores facilitam o entendimento dessa complacência para com esse político. Muito dinheiro, cargos, poder e o famigerado e velho discurso contra a esquerda e o comunismo.

Ontem, mais um passo foi dado com a indicação de um evangélico ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, um sujeito de trajetória praticamente desconhecida até a posse de Bolsonaro ganha destaque. O país que era laico, agora carece de discussão sobre o tema, enquanto os pastores milionários avançam famintos em direção a todas as fontes de poder no Brasil. 

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger, Analista Político e Graduado em Gestão Pública.

Nenhum comentário: