A agricultura tropical está no centro de um paradoxo brutal: é responsável por cerca de 90% do desmatamento nos trópicos, mas recebe menos de 5% do financiamento climático global. Uma conta que simplesmente não fecha — e que precisa ser urgentemente reescrita se quisermos conter o colapso ecológico e alimentar do planeta.
O solo como ativo climático: restaurar sem derrubar
Com a COP30 se aproximando e o Brasil no centro do palco climático global, ganha força a proposta de mobilizar capital catalítico — instrumentos financeiros que assumem riscos iniciais para atrair recursos privados — com o objetivo de restaurar milhões de hectares de solos e pastagens degradadas. O plano é claro: aumentar a produção sem avançar sobre a floresta.
O Brasil detém a maior área de pastagens degradadas do mundo. Só elas, se recuperadas, poderiam sustentar a expansão agrícola necessária para alimentar uma população crescente sem a necessidade de desmatamento adicional. É a possibilidade de tornar a agricultura parte da solução, e não mais do problema.
O abismo financeiro da agropecuária sustentável
Mas por que tão pouco financiamento climático chega ao campo?
Porque os riscos são altos, e o retorno é de longo prazo;
Porque faltam instrumentos adequados para agricultores familiares e pequenos produtores;
Porque ainda olhamos demais para carbono industrial e de menos para carbono de solo e biodiversidade.
O resultado é um vácuo perigoso: um setor altamente emissor, vulnerável e estratégico, sem os recursos necessários para se transformar.
A transição começa pela terra
Agro florestas, sistemas integrados, pecuária regenerativa e práticas agroecológicas já mostraram sua eficácia na retenção de carbono, no aumento da produtividade, na resiliência climática e na conservação da biodiversidade. Mas sem financiamento acessível, com prazos, taxas e garantias adequadas, essas práticas não sairão do campo das boas intenções.
Regenerar é urgente — mas custa caro. E não fazer nada custa ainda mais.
Justo, produtivo e viável: é possível, mas com coragem
Esse também é um tema de justiça climática. São os pequenos produtores, povos indígenas e comunidades tradicionais que mais sofrem com os impactos da crise climática, e que menos têm acesso aos fundos que poderiam mudar essa realidade.
É hora de virar essa chave.
Capital catalítico para destravar investimentos;
Mecanismos de risco compartilhado para quem produz;
Infraestrutura verde e assistência técnica para quem cuida da terra;
Governança e transparência para garantir impactos reais.
A agricultura pode liderar uma transição ecológica justa, produtiva e resiliente - Foto Ilustrativa Freepik.
COP30: a hora da virada?
Chegou a hora de encarar uma das perguntas
mais desconfortáveis do nosso tempo:
Se 90% do desmatamento tropical vem da agricultura, por que apenas 5% do
financiamento climático vai para ela?
A resposta será dada na COP30. E mais do que discursos, ela exigirá ações concretas, fundos comprometidos, políticas públicas ousadas e engajamento do setor privado.
A agricultura pode — e deve — liderar uma transição ecológica justa, produtiva e resiliente. Mas para isso, precisa de financiamento adequado, em escala, e com justiça social.
Não se trata apenas de salvar o clima.
Trata-se de garantir comida, floresta, renda e dignidade.
No mesmo território.
Ao mesmo tempo.
Autor: Oscar Lopes – Publisher da Neo Mondo.