Seguidores

1 de março de 2024

Quando chegará o tempo da diplomacia?

  

Putin, Zelensky, Blinken e Lula. Fotos Agência Anadolu, reprodução, Ricardo Stuckert - PR.

Neste dia 24, se completaram dois anos do conflito na Ucrânia.

Um conflito que era previsível, que podia ter sido evitado. Bastava ter contido o injustificável avanço da Otan em direção às fronteiras russas e ter assegurado a neutralidade do território ucraniano. Qualquer um que tenha um mínimo de conhecimento de história sabe bem isso.

Aqueles que têm um mínimo de conhecimento também sabem que esse conflito poderia ter terminado cerca de um mês após seu início. Havia um tratado de paz prestes a ser assinado por Moscou e Kiev. Mas o Reino Unido, os EUA e a Otan resolveram impedi-lo.

Resolveram apostar na escalada do conflito.

Ao contrário do que se propagou no chamado Ocidente, Moscou nunca pretendeu “conquistar a Ucrânia” e, muito menos, usá-la como trampolim para restaurar a “antiga grandeza do Império Russo”. Isso é simples delírio ideológico. Os objetivos eram e são muito mais modestos e defensivos. Tratava-se e trata-se apenas de assegurar a segurança dos russos do Donbas, submetidos a constantes bombardeios desde 2014, e garantir a neutralidade do território da Ucrânia.

O número de tropas russas utilizadas no início do conflito (190 mil, no máximo) prova isso.

Não obstante, os EUA e a Otan consideraram que, enchendo a Ucrânia de armas e impondo sanções draconianas contra Moscou, conseguiriam derrotar militarmente a Rússia, sufocar sua economia e “derrubar Putin”. Seria questão de um ano, 18 meses, no máximo, e a questão seria resolvida. Após 2 anos, porém, vê-se o contrário.

A famosa “contraofensiva ucraniana”, que imporia, em tese, grande derrota à Rússia, fracassou miseravelmente. Além de não ter avançado um centímetro sequer, agora vem perdendo terreno para as tropas russas. A conquista recente da estratégica cidade de Adviika mostra isso. A contraofensiva ucraniana virou contraofensiva russa.

As sanções contra a Rússia são outro grande fracasso.

Elas prejudicaram e prejudicam, a bem da verdade, países aliados dos EUA, principalmente europeus, que foram obrigados a conviver com preços abusivos de energia, em razão do impedimento de usar o gás russo. Segundo estudo do Bundestag (parlamento alemão), que citei em artigo anterior, as sanções da Otan estão contribuindo até mesmo para desindustrializar a Europa.

Já a economia russa cresceu 3,6%, em 2023. Para este ano, as previsões mais pessimistas indicam que ela crescerá 2,5%. O sacrifício europeu é rigorosamente inútil. Por conseguinte, essa aposta dos EUA e da Otan na escalada da guerra foi um gigantesco erro de cálculo.
Tal erro de cálculo se baseou em uma visão arcaica do mundo. OS EUA e a Otan ainda acham que o mundo é o mesmo que existia até o início deste século, quando havia uma única e inconteste potência que moldava ordem mundial rigorosamente assentada no unilateralismo.

Dessa forma, os EUA e a Otan consideraram que a Rússia ficaria totalmente isolada, econômica, comercial, financeira e diplomaticamente. Isso, é claro, não aconteceu. Até mesmo o The New York Times sabe disso. Artigo publicado em suas páginas, intitulado “U.S. Campaign to Isolate Russia Shows Limits After 2 Years of War”, assinado por Edward Wong e Michael Crowley, dois jornalistas que acompanham Blinken pelo mundo, conclui que:

“Mas dois anos depois, Putin não está tão isolado como as autoridades americanas esperavam. A força inerente da Rússia, enraizada nos seus vastos fornecimentos de petróleo e gás natural, impulsionou uma resiliência financeira e política que ameaça sobreviver à oposição ocidental. Em partes da Ásia, África e América do Sul, a sua influência é tão forte como sempre ou até crescente. E seu controle do poder em casa parece mais forte do que nunca.”

O artigo do The New York Times acrescenta ainda que:

“A China, a Índia e o Brasil comprando petróleo russo em quantidades recorde, banqueteando-se com os grandes descontos que Putin oferece agora aos países dispostos a substituir os seus clientes europeus perdidos. Com essas crescentes relações econômicas, surgiram fortes laços diplomáticos, inclusive com alguns parceiros próximos dos EUA. Putin visitou Pequim em outubro e recebeu o ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia em Moscou, no final de dezembro. Algumas semanas antes, Putin foi calorosamente recebido na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos, onde foi recebido com uma saudação de 21 tiros e jatos de combate no céu, deixando um rastro de fumaça nas cores vermelha, branca e azul da bandeira da Rússia.”

De fato, o Brasil importou, no ano passado, mais de US$ 10 bilhões da Rússia, um recorde. Nosso país, como muitos outros, está aproveitando os bons preços que a Rússia está oferecendo, principalmente em diesel, fertilizantes, produtos petroquímicos etc. Quem pode culpar?

Os EUA e a Europa não preconizam o livre comércio? Pois, então. O Brasil está simplesmente seguindo a lei da oferta e da demanda.

Em relação especificamente ao Brasil, o artigo afirma que:

“Um excelente exemplo da decepção (para os EUA, frise-se) é o tapete de boas-vindas do Sr. Putin no Brasil, a maior nação da América Latina e mais influente a nível mundial.” “Lula estendeu um convite a Putin para participar numa cúpula da liderança do Grupo dos 20 no Brasil, em novembro, apesar de o seu país ser membro do Tribunal Penal Internacional e ser obrigado a executar o mandado de prisão do tribunal para o líder russo. (Lula evitou perguntas em dezembro sobre se Putin seria preso se aparecesse, chamando isso de “decisão judicial”.

“A posição persistentemente neutra do Brasil em relação à guerra da Rússia na Ucrânia surgiu numa reunião na quarta-feira em Brasília, a capital do país, entre Lula e Blinken. Lula apelou à realização de conversações de paz, uma posição que a Ucrânia criticou, e disse que os Estados Unidos estão a alimentar a guerra com os seus envios de armas para Kiev. Blinken disse a Lula que os Estados Unidos não achavam que as condições fossem adequadas para a diplomacia agora.”

Lula pediu paz para Blinken. E, pelo artigo do The New York Times, parece que a “neutralidade brasileira” e a posição em prol da paz do Brasil estão incomodando. Com efeito, desde o início de seu governo, Lula vem se empenhando para propiciar um diálogo entre as partes e alcançar paz. A diplomacia brasileira está empenhada em acabar com o conflito insano na Ucrânia, assim como quer terminar com o morticínio em Gaza.

No entanto, a obsessão dos EUA e da Otan em derrotar a Rússia e derrubar Putin pode levar o mundo a um conflito nuclear. Precisamos de mais racionalidade. Precisamos de negociações sérias. Precisamos de mais líderes como Lula. E precisamos de mudanças profundas na governança global. 

Afinal, quando chegará o tempo da diplomacia? Quando todos estiverem mortos?

Autor: Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais. Publicado no Site Viomundo.

Nenhum comentário: