Como aluno, não fazia ideia do lado B do mundo acadêmico - Foto Raquel Aviani UnB.
A academia científica parte, a princípio, pela motivação do desejo genuíno de descobrir a verdade e contribuir para o conhecimento coletivo. Porém, cada vez mais a vaidade surge como um pano de fundo no ambiente acadêmico. A competição entre os cérebros pensantes passa por questões incluindo concorrência por reconhecimento, financiamentos e posições acadêmicas.
Como aluno, não fazia ideia do lado B do mundo acadêmico. Os professores pesquisadores muitas vezes são avaliados com base em suas publicações e no impacto das revistas onde essas pesquisas são publicadas, e por isso são seletivos na escolha dos alunos que participarão dos projetos de pesquisa – os mais talentosos e promissores discentes geralmente são os escolhidos. E é exatamente neste momento que os alunos começam a sentir a pressão da vaidade acadêmica.
A busca por cargos de prestígio e a competição por colocações de destaque podem levar alguns pesquisadores a priorizarem suas próprias realizações em detrimento do trabalho colaborativo ou da orientação respeitosa aos estudantes.
Partindo deste enredo, inicio meu relato do contato com um professor que mantinha uma pedagogia centrada nele e que acabava por produzir alunos subservientes.
Ao ingressar na graduação, logo fiquei sabendo pelos veteranos sobre "o carrasco" do curso – era este o termo usado pelos discentes para se referirem ao docente em questão. Os alunos relatavam que ele os menosprezava e sempre buscava prejudicar aqueles que ameaçavam seu prestígio. O tempo foi passando e, ao tê-lo como professor numa disciplina, pude observar a sua competência, o que me fez decidir em buscar uma vaga em seu projeto de pesquisa.
Jogo de poder
Ao iniciar no projeto, observei um clima estranho no laboratório, entre os discentes, porém sempre me mantive ativa e não dava atenção aos comentários relacionados ao professor. A vontade de aprender era muito maior do que qualquer burburinho. À medida que o tempo passava presenciei cenas absurdas: de como ele tratava mal alguns alunos e enfraquecia aqueles que o faziam se sentir ameaçado, simplesmente por serem pessoas talentosas.
Tudo era usado no jogo de poder que ele criava, como chantagem para forçar o aluno a cumprir suas "ordens" e obter nota de aprovação na disciplina, nos projetos e nas bolsas de pesquisa.
Alguns colegas, de outras turmas, não chegaram nem ao meio do curso, pois a saúde mental não deu conta dos abusos que sofreram. Alguns sentiam um estranhamento na vivência acadêmica, mas se mantinham, pois ouvíamos o discurso que precisávamos manter a excelência e isso era dito tanto no laboratório quanto em sala de aula. Porém, o preconceito e desqualificação da opinião era algo corriqueiro. Qualquer tipo de opinião contrária, por mais simples que fosse, era considerada uma ameaça. Questioná-lo, na sua visão, era colocar sua autoridade em perigo.
Diante da situação, fiquei sem entusiasmo para continuar na pesquisa. Estava sobrecarregado e tive que entregar ainda mais rendimento. Como eu conseguiria aumentar meu rendimento naquele ambiente tão hostil, tanto na sala dele quanto na sala de aula? Era impossível, porém tive que atender ao seu perfeccionismo. Chegou o momento do TCC e um dia antes da defesa eu e mais dois orientados dele tivemos que passar a noite inteira no laboratório. Ele nos obrigou a ficar lá para acompanhar sua revisão final, ouvir suas críticas, e perceber o seu prazer em mostrar que ele faria um trabalho de conclusão muito melhor. Era a satisfação do seu ego.
Pela manhã, ao ir para casa, inerte ao que tinha vivido, precisava me concentrar para minha defesa que seria à tarde, veio o choro e um misto de alívio, pois todo aquele sofrimento estava perto do fim. Fui aprovado com louvor pela banca avaliadora, mas seu narciso tinha que aparecer: ele pediu a palavra e começou o discurso da sua relação narcisista com o seu objeto (eu). Nas entrelinhas disse que o reconhecimento tinha que ser de suas qualidades e de seus méritos, pois era a sua orientação. Não o meu trabalho de horas e dias de dedicação.
Não foi caso isolado
Após formado, em contato com outros profissionais, encontro relatos semelhantes vivido em outras universidades. Casos de intolerância. A relação autoritária. O abuso de poder. A descarga de agressividade.
Muitos destes profissionais, assim como eu, carregam as sequelas desta vivência, materializada na insegurança de apresentar um projeto à sua chefia e na ansiedade ao se colocar à prova nas situações profissionais. Seguem suas vidas sem entender onde perderam a confiança em si mesmos. Muitos seguem sem forças para dizer não no atendimento às necessidades dos outros em detrimento às suas próprias necessidades. Algo que quando tratado psicologicamente, os torna mais confiantes e voltam a acreditar em suas potencialidades.
Hoje, atuo como docente de uma universidade pública e infelizmente a insensibilidade de alguns professores, a falta de empatia e o maltrato com os alunos em nome da vaidade acadêmica ainda estão presentes no nosso cotidiano.
Por isso, ao finalizar este texto, gostaria de dizer para você, aluno, que esteja passando por situação similar encoraja-se a denunciar. Isso não é normal, mesmo que eles nos façam acreditar que sim. Caso ainda não se sinta encorajado para fazer a denúncia – sei o quanto é desafiador fazê-la –, busque ajuda psicológica, busque professores com outros perfis e que possuam melhor relação professor-aluno. E sempre que possível, o afastamento completo do "educador narciso" é a melhor solução.
Corte
laços, eles são muito eficientes em se passar por vítimas e podem usar o seu
senso de empatia a favor de seus maus tratos. Mantenha completa distância. Saia
de perto em silêncio, não os afrontem, eles podem mentir sobre você para manter
a reputação impecável. Leitura sobre narcisismo na docência poderá ajudá-lo
também. Se proteja!
Vozes da
Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa
social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na
universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius
De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da
federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.
Autor - Francisco Souza (nome fictício, pois o autor preferiu não se identificar), docente em uma universidade do Norte do país, reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW. – Coluna Vozes da Educação. Publicado no Site DW.
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