Para a imprensa comercial, a forma como Zé Celso morreu, parece ser mais relevante do que a maneira como ele viveu - Foto Garapa Coletivo - Wikimedia Common.
Nesta semana onde o país lamenta a morte trágica de José Celso Martinez Correa, foi aprovado, na Câmara Federal, um primeiro passo de uma Reforma Tributária que deve ser comemorada. Ok, aspectos relevantes foram deixados de lado, ela ainda precisa passar pelo Senado e só valerá por inteiro em 2033, mas com certeza merece ser comemorada.
Na mesma semana também ficamos sabendo que uma empresa que possui como único sócio administrador alguém que trabalha como office boy vai receber R$ 39 milhões em troca de serviços prestados à Prefeitura de Porto Alegre e ao governo do estado do RS.
Ainda que confusa, a apresentação simultânea de ocorrências tão independentes se justifica pela importância dos fatos e, talvez, principalmente, pela dificuldade que elas nos impõem, na forma como nos alcançam.
Como manter olhar crítico e estabelecer critério de relevância para a enxurrada de informações? Como estabelecer mecanismos de defesa a filtros editoriais que dificultam a compreensão dos conteúdos? Buscando fontes confiáveis, sim. Esta é a alternativa que se apresenta. Mas ela nos separa em grupos de pensamento condicionados pelo alcance das mídias independentes. Bolhas de pensamento que, em verdade, possuindo escassa adesão ao imaginário coletivo, nos alienam do senso comum.
E desta forma deixamos de compreender o que está sendo construído a partir das grandes mídias, postas a serviço de interesses que pagam pela manipulação e controle de nossas consciências.
Assim, a forma como Zé Celso morreu, parece ser mais relevante do que a maneira como ele viveu. As lutas que enfrentou, as batalhas que perdeu e a persistência/dignidade com que defendeu um mundo mais justo, por 8 décadas, desaparecem num relato empobrecedor ocupado com a tragédia de um último dia. O exemplo se perde. E é exatamente por este motivo que, controlando o que aparece, anulam-se os conteúdos.
Da mesma maneira, os avanços incorporados à nossa vida, pela reforma na estrutura tributária, são obscurecidos pelo destaque à abstenção de deputadas/os do PSOL, ocultando inclusive os argumentos com que justificam tal posição.
No caso da maracutaia envolvendo a notícia de que “um pastor e um advogado – usavam laranjas e fizeram contratos públicos milionários” no RS do golpismo bolsonarista, as grandes mídias adotam o caminho mais simples. Omissão total.
Penso que estes exemplos ilustram algo que sabemos: as informações são mercadorias que admitem todo tipo de manipulação e negociata. Elas servem para distrair e vender serviços, elas ajudam a amortecer consciências e a restringir ações organizadas com vistas ao enfrentamento de mecanismos de colonização e controle. Elas se prestam ao apagamento de iniciativas de caráter humanitário. E nós somos as vítimas.
Com o domínio de mídias orientadas por tais valores tende a se perder de vez aquela ideia de liberdade como indicador de um desenvolvimento humano dependente de acessos a dimensões de vida saudável. Ali os direitos humanos e o que com eles se perde pela falta de informações confiáveis.
E o enfrentamento desta realidade, como nos mostrou Camila Moreno na 64ª edição do programa Arte, Ciência e Ética em um Brasil de Fato, é um dos grandes desafios que estão no centro das transformações, tramas e dramas que a humanidade enfrenta.
Quando iniciei este texto pensava em resumir alguns dos conceitos desenvolvidos por Camila. Mas agora me parece que o melhor é recomendar acesso ao conteúdo inteiro.
Talvez, como isca, valha uma dica: pense no que significa a privatização de serviços e informações coletadas em postes de iluminação pública, ao longo de 25 anos de monitoramento digitalizado de tudo que se passa ao alcance de suas câmeras e captadores de sinais digitais. É o que acontecerá em contratos já firmados com as prefeituras de Porto Alegre, Caxias e Canoas.
Ou, quem sabe, considere a sociedade do medo construída por informações não verificadas, que envolvem o amortecimento, a obliteração de nosso espírito crítico, com a ocultação de possibilidades e alternativas que poderiam ser construídas de forma democrática. A “fome do mundo” como argumento para a substituição de espaços de biodiversidade, ambos leiteiros, lavouras de feijão e arroz, por soja transgênica; “o comunismo” como argumento para não realização de assentamentos de Reforma Agrária em áreas que não cumprem sua função social, a financeirização da natureza, as negociatas envolvendo o aquecimento global, e assim por diante...
Enfim,
recomendo e peço: não deixem de acompanhar Camila Moreno a respeito desses
temas no programa Arte Ciência, Ética e as Mudanças Climáticas.
Autor:
Leonardo Melgarejo – Publicado no site Brasil de Fato.
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