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1 de julho de 2023

A potência de uma educação crítica e transformadora!

Hariff Eleonora Barbosa - Depois de muita terapia, estudos e trocas, nasceu a Frente PSI, o meu negócio. Foto Privat.

Sempre fui uma criança inquieta, observadora e muito criativa, sendo a irmã mais nova entre meus seis irmãos. Nasci na periferia, e nunca tivemos uma situação econômica de muita escassez, tampouco de abundância. Lembro-me de discussões relacionadas à situação financeira, e, quando criança, eu tinha a impressão de que, se a palavra dinheiro fosse mencionada, o caos se faria presente. Por isso, acredito que a minha relação com o dinheiro não se iniciou de uma forma tão positiva.

Sendo a caçula, desfrutei dos benefícios dessa posição, mas era grande demais para espernear e pequena demais para interferir em qualquer decisão sobre aspectos financeiros que não pareciam bem. Entretanto, na minha autoimagem, julgava-me como uma criança madura e completamente capaz de palpitar sobre os que adultos diziam, por exemplo, dando dicas a minha mãe sobre como ela poderia guardar dinheiro. Sinto que a suposta responsabilidade escondia o impacto que as instabilidades financeiras tinham sobre mim, mas essa é outra história. 

Desde pequena eu me engajava em pequenas atividades para fazer um "dinheirinho". Sempre gostei de falar sobre o assunto e tinha como compromisso alcançar poder aquisitivo suficiente para que a pauta "dinheiro" recebesse outra significação em casa. Eu só não sabia quais seriam os caminhos até isso.

Por um longo período, achei que essa estabilidade fosse vir por meio de concursos públicos, porque essa foi a trajetória de alguns de meus familiares das gerações anteriores. Entretanto, meu percurso profissional tem seguido outra rota: o empreendedorismo. Sou graduada em Psicologia e sou empreendedora.

Vejam só! Estudei por toda a minha vida no ensino público da cidade de Ribeirão Preto, não gostava de estudar, mas fiz dois anos de um cursinho popular e fui aprovada pela Universidade de São Paulo (USP) no curso de Psicologia. Todos os meus planos foram se rearranjando a partir do que conheci na potência de uma educação crítica e transformadora.

Mundo acadêmico distante do real

Meu contexto familiar sempre prezou pelo serviço público e desconheceu em minúcia o percurso profissional pelo ensino superior público, o que foi se alterando em casa com a entrada de uma das minhas irmãs, Kézia Carolina Barbosa, no curso de Engenharia Agronômica na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.

Com os estranhamentos diretos e indiretos de alguns familiares e conhecidos em relação à nossa escolha, reconheci que os sentidos associados à minha graduação eram completamente diferentes daqueles dos meus colegas. Eu vivia um conflito entre aproveitar ao máximo as oportunidades e ficar apenas no âmbito teórico num espaço tão plural e com poucas pessoas com quem eu me identificava.

Para mim o ambiente universitário significava uma abstração imensa e um distanciamento das carências reais que eu conhecia. Ainda assim, tentei aproveitar o convite para um olhar mais individual sobre as minhas experiências. Mas, assim, causei várias frustrações em mim mesma, aos docentes que me ofereceram oportunidades estritamente acadêmicas e aos colegas de realidades sociais diferentes que esperavam uma postura um pouco mais inconsequente e mais "leve".

Aos poucos, fui trilhando meu próprio percurso, mas sob muita invalidação pessoal. Só depois de formada percebi que estava em busca de espaços com cuja agenda eu me identificasse mais, nas diferentes atividades em que me engajei: voluntariado em cursinhos populares, Projeto Rondon, projeto brincar no HC - USP/RP, Salvaguarda, ONGs e, academicamente, o ingresso no laboratório de etnopsicanálise, coordenado pelo Prof. Dr. José Francisco Miguel Henriques Bairrão.

Trânsito entre dois mundos

O cenário era de um trânsito contínuo entre dois mundos que eu visitava diariamente, concreta e subjetivamente, mas nunca visualizava a junção entre o que os dois me sugeriram. Um lado suscitava em mim o desejo de aproveitar aquela fase universitária me preocupando apenas com as atividades acadêmicas e a diversão, sem grandes preocupações, e o outro, o senso de responsabilidade diante da injustiça social daqueles que não conheciam nem mesmo informações básicas sobre o ensino superior público.

Na realidade, nos meus atendimentos clínicos, vejo que esse é um panorama bem comum entre pessoas de origens sociais menos favorecidas que ingressam em universidades brasileiras renomadas. Há a vontade de repartir o quanto foi conquistado enquanto ainda se conquista as oportunidades desejadas. É um campo fértil para muitas desorganizações.

Ponte entre responsabilidade social e recursos financeiros

Quando estava se aproximando a conclusão do meu curso, em 2020, pensei muito sobre como associaria as minhas práticas e os conhecimentos em Psicologia mais significativos ao meu desejo de criar projetos com responsabilidade social. Entretanto, de longe, o desafio maior residiu na desmistificação de que o compromisso social só devesse ocorrer em detrimento do desenvolvimento financeiro. Eu acreditei por muito tempo que o dinheiro não pudesse fazer parte disso e que empreender significasse a reprodução do que me privou.

Depois de muita terapia, estudos e trocas, nasceu a Frente PSI, o meu negócio. Uma prestadora de serviços de Psicologia personalizáveis para estudantes, educadores e organizações educacionais de impacto social.

Além dos aspectos mais pessoais, a relação com o dinheiro fica um tanto demonizada nas ações sociais e até mesmo em campos da Psicologia ou outras áreas da saúde. Há muito o que se construir entre responsabilidade social e recursos financeiros.

Para pessoas de origens menos favorecidas que têm a possibilidade de se desenvolver academicamente, quando se compara a estabilidade psíquica e a financeira é um desafio harmonizar o desenvolvimento individual e coletivo.

Autora: Hariff Eleonora Barbosa, de 28 anos, natural de Ribeirão Preto- SP e psicóloga pela USP. Publicado no Site DW.

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