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1 de junho de 2023

Torcida franquista!

Com todo respeito, acima de tudo à grandiosa contribuição cultural espanhola, de Cervantes a Almodóvar, sempre tive um pouco o pé atrás com a sociedade que idolatrou Franco durante quase 40 anos e nunca deixou de se deleitar com touradas. Mas basta que expoentes como Falla, Lorca, Buñuel, Vila-Matas e Guardiola se me assomem às ideias para que eu quase tudo esqueça e perdoe, e até pense em revisitar o Alhambra mais uma vez ou assistir de novo à festiva queima de “fallas” em Valência.

Mas basta que algo de grave lá aconteça para que meu entusiasmo pela Espanha se desvaneça. E o que aconteceu com Vini Jr. foi mais que grave. Porém não inédito, longe disso. Já costumeiro na Europa (há 20 anos, Franklin Foer publicou um livro revelador sobre violência e racismo nos estádios europeus, notadamente na Ucrânia, que, na tradução da Zahar, virou como o Futebol Explica o Mundo), a truculência racista ganhou novo impulso na Espanha ao sabor da pandemia neofascista corrente em toda a Europa.

Javier Tebas, mandachuva da Liga (a CBF espanhola), afinal se retratou de suas afrontas iniciais, sem, contudo, comprometer sua imagem de paredro franquista. Tebas é ligado ao Vox, partido de extrema direita, cujo presidente, Santiago Abascal, foi recebido com rapapés em Brasília no governo passado e prepara um convescote internacional de neofascistas em Madri, com a presença de Bolsonaro.

A ditadura liderada pelo generalíssimo Franco tinha indisfarçáveis componentes racistas. Os milicos golpistas que cercavam e bajulavam o caudilho se julgavam filhos de uma elite racial, a “raça hispânica superior”, colonizadora de povos ditos inferiores. Seu principal ideólogo, Antonio Vallejo-Nájera, chefe dos serviços psiquiátricos do Exército franquista, igualava raça e espírito, espírito e Espanha, e propôs em suas doutrinações que todos os espanhóis se “impregnassem de hispanidad”, para melhor compreender as “essências raciais” ibéricas e o que os diferenciava das “raças estranhas”, de pele mais escura.

Vallejo-Nájera fez formação na Alemanha, estufa das mais radicais teorias eugenistas, que influenciaram bastante suas atividades teóricas e médicas, entre as quais encontrei uma hiperbólica relação de causa e efeito entre o marxismo e a debilidade mental.

Não por acaso, o mais afamado filme de propaganda do regime franquista se intitulava Raça e se inspirou numa ficção escrita, com outro nome, pelo próprio ditador. Dirigido em 1942 por José Luis Sánez de Heredia (parente próximo de Primo de Rivera, fundador da Falange, o partido de inspiração fascista de que Franco se assenhoreou), causou tanta controvérsia por conta dos cambiantes alianças políticas do governo, no imediato pós-guerra, que tiveram de submetê-lo a cortes antes de relançá-lo, oito anos depois.

Tem no YouTube e nos ajuda a entender melhor a hispanidad contida nos gritos de “Mono! Mono!”.

Autor: Sergio Augusto – Publicado no Jornal O Estado de S.Paulo.

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