Após a eleição
de Jair Bolsonaro, os partidos derrotados já têm consciência de que é preciso
entender o que sente a sociedade, mas não têm clareza sobre como resgatar a
esperança popular.
Não foi apenas o PT que perdeu seu
contato com a população. O PSDB cometeu o mesmo erro, com estragos talvez
maiores. A rigor, a classe política saiu desestruturada das eleições e agora
precisa de realinhamento. Não está claro em que direção e sob qual liderança.
A novidade com a qual os políticos não
contavam é o profundo ressentimento das classes médias pelos políticos. Hoje se
sentem lesadas por governos alienados, que não entregaram o que prometeram e,
mais do que isso, que preferiram fazer o jogo do poder, tomaram as instituições
do Estado e desviaram recursos públicos, em grande parte das vezes nem para a
“causa”, mas para proveito próprio, como a Operação Lava Jato sobejamente
demonstrou.
As classes médias se sentem lesadas por governos alienados, que não entregaram o que prometeram e preferiram fazer o jogo do poder Foto: Marcos Müller/ Estadão
Esse ressentimento popular não é
fenômeno exclusivamente brasileiro. Por toda parte aparece como adesão das
classes médias a lideranças comprometidas com propostas autoritárias,
populistas, xenófobas, de grande aversão aos imigrantes e, do ponto de vista da
política econômica, eivadas de protecionismo.
É o que se viu com a eleição do
presidente Trump nos Estados Unidos; com o Brexit; com as seguidas derrotas
eleitorais da chanceler Angela Merkel, na Alemanha; com a ascensão de Matteo
Salvini, na Itália, e de Recep Erdorgan na Turquia; com a força obtida pela
direitista Marine Le Pen, na França; e, ainda, com o fortalecimento dos
partidos da direita nacionalista na Áustria, na Hungria e na Polônia.
Aqui no Brasil, o ressentimento
começou a aparecer mais fortemente nas manifestações de 2013 e, em seguida, nas
furiosas batalhas digitais via WhatsApp que culminaram nas últimas eleições
cujos resultados mostraram o repúdio às práticas da política tradicional.
Em seu livro Como as Democracias
Morrem, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (Editora Zahar, na edição em
português) analisam o caso dos Estados Unidos. E pontuam que, nos últimos anos,
o Partido Democrata ignorou o crescente descontentamento e as reivindicações
das classes médias. Ateve-se, mais do que deveria, ao atendimento das chamadas
políticas de identidade (direitos das minorias) e se esqueceu de lidar com “as
preocupações com a subsistência de segmentos há muito negligenciados da
população – qualquer que seja sua etnia”. Por isso, foi duramente punido com a
derrota da candidata Hillary Clinton nas eleições que conduziram Donald Trump à
Casa Branca.
O discurso de campanha do presidente
eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, inicialmente mostrou forte hostilidade aos
pleitos das minorias. Em seguida, foi suplantado pelo silêncio. Depois de
eleito, as manifestações do presidente passaram a dar ênfase ao resgate das
finanças públicas ao crescimento econômico e à criação de empregos.
Não está claro se terá sucesso na
empreitada porque, a partir de tudo o que já se sabe, não há certeza de que
consiga fazer uma administração adequada. Tudo se passa como se Bolsonaro não
soubesse nem o que fazer nem por onde começar. Diz e desdiz coisas com grande
desenvoltura. Um dia afirma que é preciso fundir o Ministério da Agricultura
com o do Meio Ambiente; dias depois, retira o que disse. No outro, comunica que
vai transferir para outro ministério as funções do Ministério do Trabalho.
Depois de desistir da ideia, voltou a nela insistir, mas acabou por decidir
pelo que pretendia no início: questões relacionadas com Trabalho vão, afinal,
para outros ministérios.
Já avisou que denunciará o Acordo de
Paris, mas em seguida pareceu ter recuado. Suas posições a respeito da reforma
da Previdência também são desencontradas. E, mais que tudo, será preciso ver
até que ponto terá respaldo do Congresso para a aprovação das pautas para as
quais afinal se decidirá, num ambiente global que pode não ser exatamente o
mais favorável, diante das ameaças de recessão econômica que se cristalizam,
principalmente na Europa.
Já há boa consciência nos partidos
derrotados no Brasil de que é preciso refundar tudo e que é preciso entender o
ressentimento das classes médias claramente expressado nas urnas. Mas não há
clareza sobre o que fazer e de que forma resgatar a esperança popular.
O desarmamento dos espíritos e, com
ele, o desmanche das ameaças autoritárias no Brasil virão mais ou menos
naturalmente se as reformas forem atacadas com energia e se a economia
recuperar-se sustentadamente.
Autor:
Celso Ming, O Estado de S.Paulo.
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