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21 de janeiro de 2018

O fogo e a fúria por Mário Vargas Llosa


Fazia tempo que não lia algo tão triste e deprimente como a coleção de fofocas, intrigas, vilanias e estupidezes que Michael Wolff reuniu em seu livro sobre Trump!

Como se fabrica um best-seller? Assim. A editora Henry Holt divulga um comunicado explicando que logo aparecerá o livro Fire and Fury (Fogo e Fúria) do jornalista Michael Wolff, que revela muitos segredos sobre Donald Trump na Casa Branca, e dá alguns exemplos particularmente escandalosos.
De imediato o presidente Trump reage com sua habitual virulência em seus tuites matutinos, e seus advogados anunciam que recorrerão aos tribunais para evitar que esse libelo calunioso seja publicado. A editora antecipa a saída do livro para o dia seguinte.
Eu estava em Miami e tratei de comprá-lo nesse mesmo dia. Impossível: em todas as livrarias da cidade esgotou-se em duas ou três horas. O dono da Books and Books, meu amigo Mitch, teve a bondade de me presentear seu exemplar. A editora anunciou que a milionária segunda edição de Fire and Fury aparecerá em poucos dias. Deste modo, Trump e seus advogados conseguiram que um livro sem mérito algum - um a mais entre dezenas publicados sobre o novo ocupante da Casa Branca - circule como pão quente por todo o mundo. E, de passagem, tornaram seu autor milionário.
Fazia tempo que não lia algo tão triste e deprimente como a coleção de fofocas, revelações, intrigas, rancores, vilanias e estupidezes que o jornalista Michael Wolff reuniu em seu livro, depois de receber os depoimentos de umas trezentas pessoas vinculadas ao novo regime norte-americano.
A se acreditar nele, a nova administração estaria composta de politiqueiros ignaros e intriguistas, que se juntam ou se tornam inimigos e se apunhalam em uma luta frenética para ganhar posições ou defender as que já têm graças ao deus supremo, Donald Trump. Este é o pior de todos, claro, um personagem que pelo visto não leu um só livro na vida, nem sequer o que lhe escreveram para que o publicasse com seu nome relatando seus sucessos empresariais.
Sua cultura provém exclusivamente da televisão; por isso, a primeira coisa que fez ao ocupar a Casa Branca foi exigir que colocassem três enormes telas de plasma em seu quarto, onde dorme sozinho, longe da bela Melania. Sua energia é inesgotável, e sua dieta diária muito sóbria, feita de vários hambúrgueres com queijo e doze Coca-Colas diet. Seu asseio e seu senso de organização deixam muito a desejar. Por exemplo: teve um ataque quando uma criada pegou uma camisa sua do chão, achando que estava suja. O presidente lhe explicou que “se há uma camisa sua jogada no chão é porque ele quer que esteja no chão”. Revelações tão importantes como estas ocupam muitas das trezentas e vinte e duas páginas do livro.
Segundo Michael Wolff, ninguém, a começar pelo próprio Donald Trump, esperava que ele ganhasse a eleição de Hillary Clinton. A surpresa foi total e, consequentemente, a equipe de campanha não se havia preparado em absoluto para uma vitória. Daí o caos vertiginoso que a Casa Branca viveu com seus novos ocupantes e do qual ainda não acabou de sair.
Não só não havia um programa para levar à prática, tampouco pessoas capazes de materializá-lo. As nomeações eram feitas às pressas, e o único critério para escolher as pessoas era o aval e o olfato de Trump.
As lutas intestinas paralisavam toda ação, já que a energia dos colaboradores se voltava mais para criar obstáculos ou destruir reais ou supostos adversários dentro do próprio grupo do que fazer frente aos problemas sociais, econômicos e políticos do país. Isto tinha efeitos cataclísmicos na política internacional, em que os rompantes cotidianos do presidente ofendiam os aliados, violentavam tratados e, às vezes, tratavam com luvas de pelica e até elogios desmedidos os adversários tradicionais. Por exemplo: a Rússia de Putin, pela qual o mandatário parecia ter uma fraqueza quase tão grande como seus preconceitos contra os mexicanos, haitianos, salvadorenhos e, em geral, todos os imigrantes procedentes desses “buracos de merda”.
A ponto de o “mais famoso nazista norte-americano”, Richard Spencer, que se horrorizava por Jeb Bush ter se casado com uma mexicana, proclamar com entusiasmo que Trump é “um nacionalista e um racista, e seu movimento é um movimento branco”.
Lendo O Fogo e a Fúria pareceria que a vida política dos Estados Unidos só atrai mediocridades irredimíveis, cegos ao idealismo e a toda intenção altruísta ou generosa, sem ideias nem princípios nem valores, ávidos por dinheiro e poder. Os bilionários desempenham um papel central nesta trama e, das sombras, mexem os pauzinhos que colocam em ação parlamentares, ministros, juízes e burocratas. O próprio Trump tem uma simpatia irresistível por eles, especialmente por Rupert Murdoch, embora neste caso não haja a menor reciprocidade. Pelo contrário, o magnata das comunicações nunca lhe ocultou seu desdém.
Personagem central deste livro é Steve Bannon, o último chefe de campanha de Trump e, acreditava-se, o arquiteto de sua vitória. Também algo assim como “o teórico” do movimento. Católico praticante, oficial da Marinha por sete anos, colaborador e jornalista de publicações de extrema direita, como a Breitbart News, se define como “um nacionalista populista”. Pensava mal, mas, pelo menos, nesta manada de iletrados, pensava. Dele viriam alguns dos cavalinhos de batalha de Trump: o muro para conter os mexicanos, pôr fim à ampliação da saúde pública que Obama conseguiu aprovar (o Obamacare), obrigar as fábricas expatriadas dos Estados Unidos a regressarem ao solo norte-americano, reduzir drasticamente a imigração, baixar os impostos das empresas e reconhecer Jerusalém como capital de Israel.
Para sua desgraça, a revista Time o colocou na capa e disse que ele era o presidente na sombra. Trump teve uma explosão de raiva descomunal e começou a marginalizá-lo, de modo que Bannon foi perdendo posições dentro do corpo dos escolhidos, ao mesmo tempo em que a filha e o genro de Trump, Ivanka e Jared, as ganhavam, o iam debilitando e, no final, o despedaçaram. Expulso do paraíso o “ideólogo”, as ideias se eclipsaram na Administração e no entorno de Trump, e a política ficou reduzida ao exclusivo pragmatismo ou, em outras palavras, aos caprichosos e aos movimentos táticos e retráteis do presidente. Pobre país!
Embora eu acredite que a descrição feita por Michael Wolff seja exagerada e caricatural, e que ler seu livro é uma perda de tempo, infelizmente também há algo de tudo aquilo na presidência de Trump. É provável que jamais em sua história os Estados Unidos se tenham empobrecido política e intelectualmente tanto como durante esta Administração. Isso é grave para o país, mas é ainda mais para o Ocidente democrático e liberal, cujo líder e guia vai deixando de sê-lo mais a cada dia.
Com as consequências previsíveis: China e Rússia ocupam as posições que os Estados Unidos abandonam, adquirindo uma influência política e econômica crescente, e talvez imparável, em todo o Terceiro Mundo e em alguns países do Leste da Europa.

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© Mario Vargas Llosa, 2018.

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