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1 de agosto de 2025

A PL da devastação e nossas elites dirigentes.

  

Crédito Rawpixel.

Uma das grandes contradições da economia de mercado reside na sua incapacidade de olhar a longo prazo para os recursos naturais.

O Projeto de Lei 2159/2021, aprovado na madrugada do dia 17/07/25 pelo Congresso, evidencia os limites da economia de mercado e a falta de visão de longo prazo das elites dirigentes do país. Também revela a fragilidade do governo em defender com mais firmeza a pauta ambiental e a proteção da Amazônia. Ao observar o PL da Devastação vemos que ele flexibilizou ao extremo as regras para licenciamento ambiental sacrificando critérios científicos e racionais em prol dos setores mais predatórios e irresponsáveis da economia brasileira (conforme reportagem da Revista Cenarium). 

Uma das grandes contradições da economia de mercado reside na sua incapacidade de olhar a longo prazo para os recursos naturais. Isso se deve ao fato de que o modo de produção capitalista precisa se expandir para se manter vivo. Os outros modos de produção surgidos de fricções históricas anteriores (modo de produção asiático, modo de produção feudal, modo de produção antigo) eram finitos em seus pressupostos: encontravam sempre uma barreira que os levavam à crise. O capitalismo, por sua vez, não possui quaisquer barreiras. Ele dobra-se sobre si mesmo ou avança sobre dimensões da vida que deveriam ser preservadas da dinâmica de mercado: direito à saúde, educação, o direito de viver numa sociedade de meio ambiente limpo e preservado. 

Há uma outra questão a ser levada em conta. Nossas elites dirigentes e econômicas foram moldadas, desde o século XVI, por um modelo de sociedade e governabilidade voltado para fora. Baseado na exportação de produtos primários, o Brasil se formou a partir do grande latifúndio exportador e altamente predatório. Tal peculiaridade fez com que o país sempre tivesse dificuldades para equilibrar a balança comercial no mercado internacional, vendendo produtos primários e comprando industrializados, precisando devastar cada vez mais para aumentar a produção. Forma-se todo um ecossistema de interesses políticos, ideológicos e econômicos em torno dos interesses mais reacionários e anti modernos da sociedade brasileira. 

A emancipação política de 1822, não alterou totalmente tal esquema de coisas. O Brasil nunca teve colônias, mas praticou colonialismo interno sobre suas regiões distantes dos litorais e dos centros urbanos: 1) lugares supostamente ermos, que deveriam ser explorados a todo custo, sem que as consequências ambientais e sociais fossem levadas em conta. 2) regiões cuja população pobre foi remanejada sem critérios para a região amazônica. 

Dentro deste cenário de eventos temos a formulação de uma elite das mais irresponsáveis, predatórias e privatistas já criadas. Os direitos à cidadania são vistos como privativos por e para elas. Aqueles que vivem na base da pirâmide seriam merecedores do seu lugar de miséria por escolha própria ou como vontade de deus e do destino. Nossas elites dirigentes sofrem daquilo que Florestan Fernandes chamou de resistência sociopática à mudança: as tensões sociais devem ser tratadas a partir de cima para baixo, com o uso da força. Nunca com o uso do diálogo e da conciliação, este reservado apenas aos conflitos entre as frações de classe dos próprios grupos dirigentes. 

Quando olhamos para a história do Brasil e da formação das suas elites, não chega a surpreender que tal projeto de lei passe. Antidemocrática, colonialista, voltada para interesses externos e incapaz de pensar para além do seu interesse de curto prazo, são tão distantes do restante do povo brasileiro que acreditam que a cidadania e os interesses do país iniciam e terminam com elas. 

As mudanças climáticas já são uma realidade. O Nordeste vive um processo de desertificação, as secas na Amazônia se tornam mais frequentes e severas e os índices pluviométricos do pantanal já são menores. E nossos políticos, influenciados por grupos de pressão e atendendo a pautas de quem eles realmente representam, parecem viver numa realidade paralela, fruto de ideias paralelas…  

Autor: Ricardo Kaate Lima é doutor em Ciências Sociais pela UNESP, professor do Instituto Federal do Amazonas e autor do livro A Lança de Anhangá. Publicado no Site Le Monde Diplomatique Brasil.  

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