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4 de novembro de 2024

Pela quebra das correntes!

  

Sebo Beco dos Livros, na Rua dos Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre. Muita sabedoria acumulada esperando leitores - Leonardo Melgarejo.

Com tantas avaliações a respeito dos resultados das eleições, e mesmo tendo minhas opiniões a respeito, neste momento penso que precisamos olhar para a frente. E naturalmente, aqui na capital do RS precisamos fazer isso sem desconsiderar o fato de que este ano Porto Alegre se colocou na condição de cidade campeã nacional da alienação.

Somando as 381.965 pessoas que decidiram não participar destas eleições (34,83% dos eleitores), com aquelas 27.249 (3,81%) que votaram em branco e com as 26.811 (3,75%) que anularam o voto, resta claro que os porto alegrenses expressaram sua desconformidade em relação às opções que os partidos apresentaram, para a condução da prefeitura desta cidade. Melo, o homem da enchente e da despolitização geral e irrestrita, ao ser eleito com 406.467 votos, rigorosamente ficou em segundo lugar. A preferência popular apontou, por maioria, para “nenhum deles”.

Rosário e Tamyres, que nesta perspectiva ficaram em terceiro lugar, caíram de pé. E conseguiram um grande feito. Algo que pode corresponder à quebra de correntes. Reunindo manifestação decidida, consciente, de 254.128 porto alegrenses, em apoio à proposta de Reconstrução restabeleceram as bases -que até aqui pareciam perdidas- para o desenvolvimento de projetos coletivos.

E aí está um crescente que inexiste no aglomerado que, negando a realidade e se posicionado contra inimigos imaginários, elegeu o Melo. Quero crer que há nisso uma oportunidade que, em não sendo desperdiçada possibilitará nesta cidade a retomada de um movimento pelo protagonismo cidadão.

Penso assim por ser evidente que a simples pressão de pequena parte daqueles milhares de eleitores motivados por projetos de participação na gestão pública, em apoio aos “nossos” 12 vereadores (um terço do total) de oposição, já permite supor que a partir de 2025 os donos da cidade e seus serviçais, sob a ameaça de comissões parlamentares de inquérito, serão obrigados a exercer uma administração tendente para o que se espera como mínimo, de serviços públicos honestos, transparentes e responsáveis.

E penso que isto poderá abrir uma nova era de debates, projetos e discussões sobre a cidade que queremos, nos bares, nas praças, nas escolas, nas comunidades e, principalmente na Câmara de Vereadores. Como exemplo, e aproveitando o mote da necessidade de reconstruirmos alianças conscientes, aqui vai um convite para atividade que ocorrerá na semana que entra, durante a 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, e que também discute a necessidade de quebrarmos as correntes que nos seguram.

Mais objetivamente, na Sala O Retrato - Espaço Força e Luz – Andradas 1223, dia 4 de novembro, às 16 horas, o Coletivo a Cidade que Queremos CCQQ / Porto Alegre, juntamente com o Instituto Nhandereko – Observatório Crítico da Ciência, e o Movimento Ciência Cidadã, darão continuidade a temática já abordada por eles na feira do livro de 2023, sob o título: “A diversidade sustenta o futuro II”.

Se trata de painel sobre “A questão ambiental – uma doença civilizatória”, onde serão examinados mecanismos aplicados à produção e à transferência de tecnologias que comprometem a estabilidade dos ecossistemas, atuando como elementos voltados à dominação de usuários, sociedades e nações que as utilizam de forma acrítica.

Em poucas palavras, os produtos da tecnociência instrumental, ao reduzirem as possibilidades de autonomia de povos subalternos ao império, comprometem a qualidade de vida da maioria das pessoas que vivem em países dependentes da importação de tecnologias externas, onde renovam processos históricos de subordinação e colonização predatória. São correntes que, apresentadas como caminhos para o sucesso, atraem, seduzem e isolam a energia transformadora de nossa juventude.

Impedindo assim (com a colaboração dos grandes meios de comunicação) a soberania e a construção de soluções próprias, aquelas tecnologias e os sistemas produtivos em que se inserem, impulsionam crises socioambientais que estão levando à desestruturação de laços comunais, à insegurança alimentar, ao esfarelamento da democracia participativa e, por fim, ao avanço da alienação e do autoritarismo expressos de forma clara nestas eleições de 2024.

Acreditando que esta é uma questão global, cujo enfrentamento exige a busca de respostas coletivas e articulação de projetos que aproximem a ciência da cidadania e da conscientização social, em movimento protetivo aos direitos  humanos e aos ecossistemas mantenedores da vida, escutaremos, nesta Feira do Livro, exposição crítica por parte dos professores Ricardo Neder (UNB) e Patrícia Martins da Silva (UFPel), do pesquisador Irajá Antunes (Embrapa) e da jornalista editora do Jornal Brasil de Fato RS, Katia Marko.

Em termos estritos, o foco dos debates examinará a subordinação consentida, a oportunidade/necessidade de construção de tecnologias locais, o protagonismo resiliente da cultura popular, a importância dos bancos de sementes e as dificuldades de comunicação deste universo e suas implicações, para populações crescentemente capturadas pelo ilusionismo da meritocracia e do empreendedorismo neoliberal.

Serão distribuídos entre os presentes exemplares da revista Biodiversidade Sustento e Culturas, que há 30 anos vem apontando formas de resistência e soluções emergentes, de base agro ecológica, oriundas do protagonismo de povos da América Latina. Participe!

Autor: Leonardo Melgarejo – Publicado no Site Brasil de Fato.

1 de novembro de 2024

Não banalizemos o fascismo!

  

Jair Bolsonaro em ato na Avenida Paulista, São Paulo - SP, 7 de setembro de 2024 (Foto Reuters).

"Devemos exercitar a intolerância à extrema-direita".

Está na moda ter intolerância à lactose, glúten, entre tantos outros. Contudo, descobri que o brasileiro precisa de fortalecer a intolerância à onda perversa que entrou na agenda do país. 

Não podemos mais aceitar que portem armas sem critérios rígidos. O porte de armas foi banalizado e com ele, as mortes. Sintoma de uma sociedade inconsequente - subjetividades operando a pulsão de morte. Banalizamos o feminicídio, o ódio à mulher que reivindica o direito ao próprio desejo e ao corpo. A misoginia é a revolta do macho à mulher que luta pelo prazer na cama e na vida.

Banalizamos a mentira, fake news manipulando o nome de Deus, angariar votos nas igrejas neopentecostais foi normalizado. 

Banalizamos a imoralidade, confundindo-a com moralismo perverso. Exploram a boa-fé da população para denunciar a esquerda como drogadita, maconheira, defensora de bandidos. Sem provas e argumentos, de forma irresponsável, jorra lama sobre o campo progressista - lógica da desconstrução para apossarem do poder. 

Cansou, basta! O momento exige retomar o discurso do Brasil que luta por justiça contra a desigualdade social, o racismo, homofobia, machismo estrutural. Não podemos compactuar com a banalização da inverdade, falta de vergonha.

Devemos reforçar a luta contra gente desonesta, corrupta, manipuladora, covarde, preguiçosa. Gente que passa o dia arquitetando estratégias de enriquecimento por meio de golpes, disseminando ódio e violência, fazendo apologia ao crime organizado. 

Geralmente, são pessoas frustradas, infelizes, ressentidas, invejosas. 

Há algo de erótico no sadomasoquismo. O gozo do carrasco representa aquele que sente prazer com a maldade. Portanto, devemos escolher melhor os políticos, como também os parceiros de vida. 

Uma pessoa feliz é um perigo, desperta maledicências, cutuca o lado sombrio da condição humana. Suportar a infelicidade com elegância exige alguns anos de divã. 

Portanto, acredito que o bolsonarismo, em parte, seja sintoma de infelicidade, ressentimento. O fracassado que, para reparar o abismo existencial, transfere o ódio aos que o incomodam.

O modo de viver da esquerda, geralmente, é mais interessante, exibimos uma riqueza simbólica maior. Apreciamos mais artes, buscamos nos hidratar transcendendo a mesmice do mundo com cultura - na literatura e nas ciências, encontramos formas de nos salvar. 

Devemos exercitar a intolerância à extrema-direita. Lutemos por um alinhamento poético da vida. Sonhei com Charles Chaplin no congresso, Chico Buarque na presidência da Câmara. Acordo e lembro de Lira, Bolsonaro, passo mal, vomito a indigestão do brasileiro gente boa, simples, trabalhadora. Que está se definhando.

O sonho metaforiza o fim de um futuro mortífero. Impossível dormir ao som de balas programadas para exterminar a pobreza, população negra, projeto fascista de governabilidade. Vamos lutar?

Autora: Inez Lemos - Psicanalista e autora de "Berro de Maria", Ed. Quixote.

A autofagia dos bancos com spreads nas nuvens, por Luís Nassif!

  

Salvador Dali (modificada as dimensões)

Os problemas irão se agravar com o anúncio do Copom, de que a taxa básica será aumentada visando frear a atividade econômica.

Por que não incluir metas de spread bancário no debate?

O desafio é de Roberto Troster, Ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Spread é a diferença entre a taxa de captação e a taxa de juros do tomador final de crédito. 

Spread baixo mostra a capacidade dos bancos de intermediar recursos a um custo baixo para a sociedade, remunerando bem os poupadores e oferecendo taxas razoáveis para os tomadores.

É uma constatação empírica. As nações mais ricas têm spreads menores, mais crédito e economia mais saudáveis. Não há sequer um contraexemplo de algum país de renda alta que não tenha spreads baixos.

Troster considera que a atual dinâmica do crédito no Brasil é uma autofagia do sistema bancário e do Banco Central.

Lembra ele que há, atualmente, 6,9 milhões de empresas de 72,5 milhões de cidadãos negativados no Serasa – recorde histórico no primeiro semestre. Como nem todo inadimplente está negativado, o problema é maior, diz ele. As recuperações judiciais também bateram recordes históricos. 

Segundo ele, criou-se uma dinâmica insustentável. No primeiro semestre do ano foram pagos R$ 532,0 bilhões em juros de operações de crédito a instituições do Sistema Financeiro Nacional. Como o PIB do primeiro semestre foi de R$ 5.601,6 bilhões, os juros pagos correspondem a 9,5% do PIB. 

No mesmo período, as provisões para créditos de difícil recuperação foram de R$ 116,7 bilhões, que correspondem a 21,9% das receitas de crédito e superior ao lucro líquido do sistema, que no mesmo período foi de R$ 113,9 bilhões. 

A lógica é simples: os bancos emprestariam mais se emprestassem melhor. E o crescimento do crédito é irracional. O saldo de crédito em capital de giro cresceu 1,8% e o do cheque especial para pessoa jurídica aumentou 8,8%, mesmo custo 16 vezes mais do que o capital de giro. A diferença é entre uma taxa anual de 21,6%, do capital de giro, para 346,1% ao ano, do cheque especial.

A inadimplência estoura e, no primeiro dia de atraso, é cobrado um IOF de 0,3282%, um valor que anualizado corresponde a 225,3%. Portanto o custo de um dia de atraso é 571,4% ao ano. Problemas temporários de caixa viram problemas permanentes de solvência, diz ele.

É a chamada autofagia financeira. Em situação normal de voo, o sistema financeiro poderia ser um ator relevante para o bem estar do país e o desenvolvimento das empresas. Mas acaba destruindo a base que lhe dá sustentação.

Segundo Troster, os erros ocorrem de lado a lado, definindo um paradigma obsoleto. De um lado, compulsórios draconianos e tributação do crédito. De outro, “a não regulação adequada da lei 14.131, moeda remunerada, indexação generalizada, ausência de regras de precificação, papel dos birôs de crédito distorcido e opacidade na comunicação, para citar alguns”.  

E os problemas irão se agravar com o anúncio do Comitê de Política Monetária, de que a taxa básica será aumentada visando frear a atividade econômica.

Troster tem um conjunto de sugestões para trabalhar o custo do crédito, cujo primeiro passo é a transparência das informações sobre o crédito. Usa-se taxa mês e taxa ano, dias corridos e dias úteis, incluindo impostos, e não taxa efetiva e custo total. “Tornam desnecessariamente complexo, algo que poderia ser resolvido usando uma só medida para o custo do crédito. Só depende de um normativo”.

Também tem críticas quanto à nota à imprensa do Banco Central. No cálculo do custo do crédito, não incluem o IOF, que é um custo a mais para o tomador, e incluem os pagamentos à vista no cartão de crédito como uma operação de crédito, que diminuem as médias das taxas, do spread e da inadimplência informadas na nota. Outra distorção é que calculam o spread usando o estoque de crédito em vez de usar o fluxo.

Não faltam recursos para emprestar, diz ele. Falta uma política de crédito adequada. “Sugiro começar com mais transparência. Ganhariam os cidadãos, as empresas, os bancos, o governo e o Brasil. Por que não tentar?”

Autor: Luis Nassif – Publicado no Site GGN.