A Polícia
Federal finalmente bateu à porta da quadrilha de Bolsonaro. Mas o governo ainda
terá que enfrentar o poder do agronegócio e do centrão.
Old kids on the golpe. Mais do que indiciar trinta e três pessoas, o relatório final da Polícia Federal, antecedido pela Operação Contragolpe, detalha aquilo que tínhamos a convicção, mas faltavam as provas: durante 36 dias, o capitão Jair Bolsonaro e os generais Braga Netto e Augusto Heleno, envolvendo mais de 35 militares, incluindo integrantes da força de elite chamados kids pretos, tentaram executar um golpe de Estado. O plano incluía desde a desmoralização das urnas eletrônicas ao assassinato do presidente e o vice eleitos, além de ministros do Supremo, utilizando o Palácio do Planalto e a estrutura do exército para a conspiração. Um golpe à moda antiga, ao estilo do mentor intelectual de Augusto Heleno, o general Sylvio Frota. E, talvez seguros pela tradicional impunidade militar, o golpe estava aí, a olhos vistos, como na reunião ministerial de julho, em que Augusto Heleno defendia que ocorresse antes do primeiro turno; ou nas movimentações da caserna, que se recusou a participar da transição; e nos acampamentos bolsonaristas, que deviam dar verniz popular. Como se não tivessem nada a ver com os indiciados fardados, os militares na ativa apenas lamentam que vai ser mais difícil impedir o corte de gastos. Assim como a direita, que entrou num modo silencioso, como se sequer conhecesse os envolvidos - vide o governador de São Paulo, que foi ministro e colega dos golpistas. O inquérito segue agora para a PGR e lá se cogita que seria apresentada uma única denúncia, reunindo o conjunto de crimes e investigações de Bolsonaro, como o roubo das joias e a fraude do cartão de vacinas. Enquanto isso, a consequência mais óbvia deve ser o fim do projeto de anistia no Congresso. Neste ínterim, a Folha de São Paulo largou uma pérola: Lula é também responsável pela polarização porque seus apoiadores insistem na palavra de ordem “sem anistia”! Foi assim, normalizando os golpes e a extrema-direita, que chegamos até aqui, talvez o ponto de não retorno, onde o ‘Cidadão de bem’ deu lugar ao ‘patriota’ disposto a morrer, como alerta Isabela Kalil.
.“O cara”, pero no mucho. Sem dúvidas, o ciclo do Brasil à frente do G20 foi fechado com chave de ouro. Isso pelo menos no plano diplomático, com Lula voltando a ser destaque na esfera internacional, depois dos reveses sofridos ao tentar apresentar-se como embaixador da paz num mundo cada vez mais conflituoso. O preço, é claro, foi condenar as guerras sem aprofundar o tema, nem debater méritos. A estratégia brasileira foi dar ênfase ao enfrentamento das desigualdades globais e buscar consensos no discurso, dando pouca atenção às repercussões práticas. O que ficou evidente na pauta ambiental, marcada pela tragicômica imagem de despedida de Joe Biden do cenário internacional em plena Floresta Amazônica, que rendeu mais memes do que medidas efetivas, e cuja implementação dependerá da boa vontade do futuro presidente, Donald Trump. Na prática, o grande mérito brasileiro foi o lançamento da Aliança contra a Fome e a Pobreza, que conseguiu a adesão de 82 países e 24 organizações internacionais, com Lula fazendo o desafeto argentino Javier Milei engolir a proposta para não ficar completamente isolado. Já outra pauta de destaque, a taxação dos super-ricos, foi respaldada pela primeira vez num foro internacional oficial, mas a proposta brasileira de criação de um imposto global de 2% sobre a fortuna dos bilionários não saiu do papel. Tudo isso fruto das contradições de ter um presidente progressista inserido num mundo cada vez mais com cara de extrema-direita. Ironicamente, enquanto o multilateralismo teve resultado mais simbólico que efetivo, o encontro bilateral com a China teve como resultado a assinatura de uma série de acordos de cooperação em diferentes áreas. E um deles, a parceria firmada com a empresa chinesa Space Sail, atinge diretamente a hegemonia da Starlink de Elon Musk na área das comunicações e redes de internet no Brasil.
De volta
ao mesmo. Seja com Estados Unidos, Europa ou China, tem coisas na pauta
comercial brasileira que não mudam. Como Lula fez questão de deixar claro no
seu encontro com xi. O
agronegócio continua a garantir a segurança alimentar chinesa”. Esse privilégio
se expressa também no esquema de isenções fiscais concedidas ao
empresariado brasileiro, onde 0,3% das empresas beneficiadas abocanham 50% do
valor das isenções, o que corresponde a R$48 bilhões transferidos do Estado
para as grandes corporações. Dentre as contempladas, além de 5 figuras
conhecidas do bolsonarismo, destacam-se Syngenta, Yara, Seara, Rural Brasil,
JBS, Fertipar, dentre outras gigantes do agronegócio. Ninguém lembra deles
quando se fala em corte de gastos. Evidentemente, o efeito colateral dessa
política é o aumento descomunal do número de queimadas na Amazônia
que garante a expansão da fronteira agrícola, e que o Ministério do Meio
Ambiente tenta combater sem sucesso. Enquanto isso, o Congresso aproveitou o
G20 para tirar uma casquinha da pauta ambiental e impulsionar o capitalismo
verde com a aprovação da regulamentação do mercado de carbono no Brasil.
Mas, apesar desse aceno, a verdade é que Arthur Lira e seus amigos continuam
olhando mais para o próprio umbigo que para o mundo. E, mais uma vez, a
principal pauta da semana foram as emendas. Depois de todo rebuliço gerado
pelas exigências do STF, a Câmara finalizou a votação do projeto que
regulamenta as emendas. Na prática, pouca coisa mudou. 50% das emendas de
comissão devem ser destinadas à saúde e reduziu-se de 10 para 8 o limite de
emendas por bancada, retomando partes do texto original que haviam sido
modificadas pelo Senado. De resto, não há possibilidade de bloqueio de recursos
por parte do governo e não há mecanismos de identificação do deputado que
indicou a emenda à comissão, ignorando o critério da transparência exigido pelo
Supremo. A dúvida agora é saber se Lula sancionará integralmente a proposta e se
o STF dará o caso por encerrado depois de mais um capítulo de intransigência da
Câmara.
Autores: Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile. Publicado no Site Brasil de Fato.
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