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1 de novembro de 2024

País velho, mundo novo!

  

Líderes do Brics se reúnem durante sessão plenária na cúpula em Kazan, em 24 de outubro de 2024 - Maxim Shemetov - POOL - AFP.

Nos BRICS, o Brasil discute novas perspectivas para a ordem global, mas, dentro de casa, persistem os velhos problemas. 

E o PT, hein? É muito pouco provável que os resultados do segundo turno alterem o quadro político nacional que se estabeleceu no primeiro. Ainda que oito capitais tenham empates técnicos, em apenas duas as pesquisas registram uma virada de posições. Enquanto a direita calcula os efeitos de uma possível prisão do inelegível capitão, na esquerda, caso Guilherme Boulos não consiga superar Ricardo Nunes, está garantida a prorrogação do divã público sobre o desempenho político-eleitoral. Há alguns consensos, como a incapacidade da esquerda de prosperar ou entender o mundo digital ou a desconexão com a periferia dos grandes centros urbanos. Para os que acusam os pobres de ingratidão ou de “não saberem votar”, Orlando Calheiros, no Intercept, lembra que a promessa dos governos de esquerda de que “todos seremos classe média” implicou numa mudança de perspectiva sobre a pobreza, e agora a questão passa pela “manutenção de um certo poder de consumo” e não necessariamente por fugir do mapa do fome. Ou, como resume Valério Arcary, a nova “classe média” foi para a extrema direita. Ao mesmo tempo, passa batido qualquer questionamento ao “sonho empreendedor” e a impossibilidade real de ascensão na pirâmide social brasileira, como demonstra Rosana Pinheiro Machado. Na prática, a crítica e autocrítica vão levando a esquerda, e em especial o PT, a um dilema entre apostar no pragmatismo e flertar com o conservadorismo - como faz o candidato petista em Cuiabá - ou retomar a disputa de ideias à esquerda e resgatar seu papel como partido de oposição ao neoliberalismo. De qualquer forma, é curioso que enquanto o PT e a esquerda mereçam uma análise pública, pouco se fala de como o tucano se tornou uma ave em extinção e porque o partido que governou o país duas vezes e dominou São Paulo por décadas simplesmente desapareceu.

Os sem eleição. Vença quem vencer nas urnas, no Brasil o mercado sempre sai vitorioso. Ao longo do governo Lula III, a prolongada campanha eleitoral da Faria Lima é insistir no risco de descontrole das contas públicas e na necessidade de corte de gastos. E o pleito vai sendo vencido no cansaço, com a ministra Simone Tebet fazendo questão de ser a porta-voz da austeridade dentro do Planalto. Outra parte da estratégia é ver sempre o copo meio vazio. Assim, se o governo comemora a projeção de crescimento do PIB em 3% estimada pelo FMI para este ano, os pessimistas só veem os 2,2% projetados para o ano que vem como um prenúncio da catástrofe, insistindo no risco de escalada inflacionária. Ao mesmo tempo, Campos Neto anuncia o perigo de uma politização no período de transição da presidência do Banco Central, desqualificando preventivamente qualquer tentativa de mudança na atual política de juros altos. O sucesso do momento permitiu acrescentar ao cardápio da austeridade a reforma administrativa, fazendo dela pré condição para um futuro corte nos juros, ideia antiga que sempre volta quando a fome do mercado aumenta. Se a proposta do governo de substituir o Decreto-Lei nº 200 dos tempos da ditadura parece justa, poucos acreditam que colocar essa pauta na mesa possa trazer de fato melhorias nas carreiras, nos salários e nas condições de trabalho dos servidores. Além disso, Elio Gaspari lembra que sempre que o governo tenta cortar do andar de cima do serviço público - entenda-se altos salários - o mercado empurra a régua para o andar de baixo. Assim, se conforma um cenário perigoso. Sem uma pauta propositiva para avançar, o governo permanece preso na armadilha dos juros, do corte de gastos e na disputa do orçamento com o Congresso, comemorando as pequenas vitórias trazidas pelo avanço da reforma tributária e alimentando esperanças de que o crescimento econômico solucione todos os problemas.

BRICS +.  A ocorrência da 16ª Cúpula do BRICS em Kazan, na Rússia, tem múltiplos significados. Mais do que pronunciamentos ou decisões impactantes, o fator central é o crescimento orgânico do grupo, enterrando a ideia de que seria apenas um clube de amigos da Rússia e da China. Não só foi o primeiro encontro em que Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos participaram como países-membros, mas também se definiu a entrada de mais 11 países como parceiros, incluindo Bolívia e Cuba. É claro que o evento em solo russo desafia os embargos e a criminalização de Putin pela OTAN. Mas a posição do Brasil por uma solução pacífica da guerra na Ucrânia mostra que há mais interesses e visões em jogo. O que mostra também que os BRICS é muito mais um agrupamento variado de países e interesses do que um bloco sólido. O que eles têm em comum é a aspiração a superar a ordem unipolar ocidental em crise, destaca Javier Vadell, por isso a Cúpula seria mais um passo rumo a uma ordem multipolar. Nesse quadro, destaca-se o esforço para desvincular-se do dólar nas transações comerciais, onde o Novo Banco de Desenvolvimento, que tem à frente a ex-presidente Dilma Rousseff, joga um papel central. Ficou evidente também que o governo brasileiro tem seu próprio protagonismo, com o veto nos bastidores ao ingresso da Venezuela, e sua própria agenda, com Lula mencionando em seu pronunciamento os mesmos temas recorrentes: combate à fome e à desigualdade econômica, democratização das instituições de governança global, combate às mudanças climáticas, maior participação das mulheres e pacificação do cenário mundial.

Autor: Boletim Ponto – Publicado no Site Brasil de Fato.

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