Censura
sempre existiu no passado. No século 19, Balzac e Stendhal sofreram muito pela
coragem de criticar a sociedade da sua época e as mazelas dos governantes.
Ainda no século 20, aqui no Brasil, durante a ditadura, nossos melhores
letristas foram perseguidos e alguns exilados, como Gilberto Gil e Caetano
Veloso. O que surpreende e entristece é que, em pleno século 21, com a
Inteligência Artificial escancarando as portas, ainda haja censura no Brasil.
Autor de "O avesso da pele" (Companhia das Letras), um contundente
retrato das discriminações raciais no país, Jeferson Tenório se juntou
recentemente a um grupo de escritores importantes como Machado de Assis, Carlos
Heitor Cony, Euclides da Cunha e Franz Kafka. Todos eles foram alvo de
campanhas recentes para que seus livros fossem retirados de escolas
brasileiras.
Em alguns casos a iniciativa partiu dos pais, em outros, de professores,
políticos e influencers sempre com o argumento de que os livros seriam
inapropriados para uso em sala de aula. Acusam os autores de descrever atos
sexuais e usar palavras de "baixo calão". "O avesso da
pele" teve exemplares recolhidos em escolas de ensino médio em Goiás, no
Paraná e no Mato Grosso do Sul.
A obra recebeu o Prêmio Jabuti e traduzida em 16 idiomas. Foi incluída no
Programa Nacional do Livro e do Material Didático ainda no governo Jair
Bolsonaro. Assusta o fato de professores, ainda que não adotem o livro, o que é
um direito, também busquem a proibição. Algo parecido ocorreu em Rondônia, em
2020, quando a Secretaria da Educação considerou "inadequados" alguns
títulos de autores como Machado de Assis e Edgar Allan Poe. Pressionado, o
governo recuou da decisão de recolhê-los das escolas.
Nem mesmo durante os governos militares, o ensino da literatura nas escolas
esteve sob vigilância tão severa, como nos últimos anos. Alguns põe a culpa no
moralismo estrábico da ultradireita, que vem crescendo. Esquecem-se que os
jovens de hoje, com um simples click têm acesso a todo tipo de conteúdo, mesmo
os considerados perversos e imorais.
Professores têm sido perseguidos, e até demitidos, por insistirem nas escolhas
literárias que consideram adequadas à formação dos seus alunos. Subestima-se,
com isso, a inteligência dos mais jovens para compreenderem a condição
artística dos textos. Quando sob orientação, os alunos têm a oportunidade de discutir
o porquê das abordagens em trechos escolhidos.
Li uma explicação muito a propósito, da professora e crítica literária Ana
Dias, onde ela dizia: "Livros com palavrões apenas trazem situações
cotidianas, que estão longe de escandalizar os mais jovens. Ao contrário,
encenam paixões, dão relevo a emoções específicas e, constroem o tecido da
expressão da obra."
O próprio autor de "O avesso da pele", Jeferson Tenório, diz que as
passagens que envolvem sexo e a terminologia usada não são gratuitas, mas têm o
sentido de reforçar a sexualização dos corpos negros, um dos temas do romance.
Muita gente que está atacando nem leu o livro, como admitiu o governador de
Goiás Ronaldo Caiado. Disse que não havia tido "coragem" de ler o
livro. A celeuma criada serve para que se perpetue a falsa informação de que o
governo está distribuindo livros "pornográficos" para adolescentes.
Uma estratégia política, burra a exemplo de toda censura.
Os editores chamam de "efeito Streisand", o fenômeno em que a
tentativa de censura a um tipo de informação se volta contra o censor. Após os
ataques, as vendas de "O avesso da pele" aumentaram 400%.
Nada a comemorar. Os constantes cerceamentos podem levar a algo pior, que é a
autocensura em autores que começam a se policiar para não ter seu livro banido
de bibliotecas e salas de aulas, e assim aviltam o próprio espaço na criação.
Autor:
Zarcillo Barbosa - O autor é jornalista e articulista do JC. Publicado no JCNet
– Bauru.
Nenhum comentário:
Postar um comentário