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8 de abril de 2024

Livros censurados no Século 21!

Censura sempre existiu no passado. No século 19, Balzac e Stendhal sofreram muito pela coragem de criticar a sociedade da sua época e as mazelas dos governantes. Ainda no século 20, aqui no Brasil, durante a ditadura, nossos melhores letristas foram perseguidos e alguns exilados, como Gilberto Gil e Caetano Veloso. O que surpreende e entristece é que, em pleno século 21, com a Inteligência Artificial escancarando as portas, ainda haja censura no Brasil.

Autor de "O avesso da pele" (Companhia das Letras), um contundente retrato das discriminações raciais no país, Jeferson Tenório se juntou recentemente a um grupo de escritores importantes como Machado de Assis, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha e Franz Kafka. Todos eles foram alvo de campanhas recentes para que seus livros fossem retirados de escolas brasileiras.

Em alguns casos a iniciativa partiu dos pais, em outros, de professores, políticos e influencers sempre com o argumento de que os livros seriam inapropriados para uso em sala de aula. Acusam os autores de descrever atos sexuais e usar palavras de "baixo calão". "O avesso da pele" teve exemplares recolhidos em escolas de ensino médio em Goiás, no Paraná e no Mato Grosso do Sul.

A obra recebeu o Prêmio Jabuti e traduzida em 16 idiomas. Foi incluída no Programa Nacional do Livro e do Material Didático ainda no governo Jair Bolsonaro. Assusta o fato de professores, ainda que não adotem o livro, o que é um direito, também busquem a proibição. Algo parecido ocorreu em Rondônia, em 2020, quando a Secretaria da Educação considerou "inadequados" alguns títulos de autores como Machado de Assis e Edgar Allan Poe. Pressionado, o governo recuou da decisão de recolhê-los das escolas.


Nem mesmo durante os governos militares, o ensino da literatura nas escolas esteve sob vigilância tão severa, como nos últimos anos. Alguns põe a culpa no moralismo estrábico da ultradireita, que vem crescendo. Esquecem-se que os jovens de hoje, com um simples click têm acesso a todo tipo de conteúdo, mesmo os considerados perversos e imorais.


Professores têm sido perseguidos, e até demitidos, por insistirem nas escolhas literárias que consideram adequadas à formação dos seus alunos. Subestima-se, com isso, a inteligência dos mais jovens para compreenderem a condição artística dos textos. Quando sob orientação, os alunos têm a oportunidade de discutir o porquê das abordagens em trechos escolhidos.


Li uma explicação muito a propósito, da professora e crítica literária Ana Dias, onde ela dizia: "Livros com palavrões apenas trazem situações cotidianas, que estão longe de escandalizar os mais jovens. Ao contrário, encenam paixões, dão relevo a emoções específicas e, constroem o tecido da expressão da obra."


O próprio autor de "O avesso da pele", Jeferson Tenório, diz que as passagens que envolvem sexo e a terminologia usada não são gratuitas, mas têm o sentido de reforçar a sexualização dos corpos negros, um dos temas do romance.


Muita gente que está atacando nem leu o livro, como admitiu o governador de Goiás Ronaldo Caiado. Disse que não havia tido "coragem" de ler o livro. A celeuma criada serve para que se perpetue a falsa informação de que o governo está distribuindo livros "pornográficos" para adolescentes. Uma estratégia política, burra a exemplo de toda censura.


Os editores chamam de "efeito Streisand", o fenômeno em que a tentativa de censura a um tipo de informação se volta contra o censor. Após os ataques, as vendas de "O avesso da pele" aumentaram 400%.

Nada a comemorar. Os constantes cerceamentos podem levar a algo pior, que é a autocensura em autores que começam a se policiar para não ter seu livro banido de bibliotecas e salas de aulas, e assim aviltam o próprio espaço na criação.

Autor: Zarcillo Barbosa - O autor é jornalista e articulista do JC. Publicado no JCNet – Bauru.

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