Existem diversas possibilidades para
lidar com o governo Bolsonaro: do apoio e adequação, passando pela postura
republicana inocente que aceita e espera 2022 como se até lá houvesse tempo
para compor politicamente num cenário normalizado que não existe, até a
destituição, que pode ter dois enfoques: um em que as consequências não
importam e outro que procure acenar com alternativas.
Vou acenar com a hipótese de que a
campanha eleitoral contínua e permanente que Bolsonaro deflagra desde que
ganhou as eleições presidenciais acaba por imobilizar a oposição, em especial
as esquerdas que atuam no plano institucional e insistem em considerar um
cenário republicano, tendo em vista que se voltam cada vez mais para o
calendário eleitoral (2020 e 2022). Faz isso, ainda por cima, sem discutir
projetos locais para 2020 ou alternativas ao governo federal, mas apenas
considerando a formação de alianças que garantam um tempo de televisão e uma
estrutura partidária, que não parece ser uma variável tão decisiva, ao menos se
considerada de forma isolada.
Trata-se de uma dificuldade derivada de
uma constatação equivocada sobre a possibilidade da via republicana frente a um
governo que é claramente antidemocrático.
Não se trata de negar a importância das
eleições, mas entender que seria necessário tecer um caminho de construção de
alternativas locais a partir da sociedade para fazer frente à máquina que está
com Bolsonaro e à perda de importância que as esquerdas, em especial a petista,
tiveram nas eleições municipais de 2016, que anunciaram em boa parte o contexto
para a eleição de Jair Bolsonaro.
O paradoxo que se vislumbra no campo das
esquerdas é a necessidade de se deslocar do calendário eleitoral para reunir
condições mínimas de competir eleitoralmente, o que é um movimento difícil de
ser praticado.
Esse deslocamento não foi sequer
começado a partir da fragorosa derrota das esquerdas nas eleições municipais de
2016, mas encontra-se fragmentado no tecido social. Como se trata de um caminho
de longo prazo, algo em torno de 20 a 30 anos, o imobilismo institucional
apresentado durante este primeiro ano de governo Bolsonaro, juntamente com a
ausência de alternativas locais concretas, aponta para um realinhamento que
tende a favorecer a extrema-direita e uma “direita sensata” (dos DEM e PSDBs
Doriana, entre outros) no cômputo geral das eleições do ano que vem, que são o
prenúncio das eleições presidenciais de 2022.
No entanto, nem tudo está tão parado
quanto parece. Apesar da baixa mobilização contra a reforma da previdência, o
final do mês de novembro reservou uma luta que merece visibilidade: a greve dos
professores estaduais no Rio Grande do Sul, a qual os servidores estaduais
aderiram, contestando o pacote de reformas para o serviço público encaminhado
pelo governador Eduardo Leite (PSDB).
São duas semanas de um movimento que
articula um conjunto de sindicatos com ampla participação da ponta e da
sociedade. Entre 60 a 70% das unidades escolares já aderiram, bem como 65% dos
servidores para além da área da educação. Esse movimento não vem recebendo
atenção midiática, mas, também na esteira das manifestações em boa parte da
América Latina, não é difícil imaginar porque a dupla inseparável
Bolsonaro-Guedes adiou o envio da reforma administrativa para o ano que vem.
São as lutas que nos mostram que o medo
precisa mudar de lugar e talvez daí venha a necessidade que os integrantes do
governo Bolsonaro recorrentemente têm de voltar ao fantasma do AI-5 e uma série
de discursos autoritários: tentam introjetar medo na sociedade.
Por fim, cabe lembrar que a
extrema-direita no poder em vários países reflete uma articulação global que
não pode ser jogada para debaixo do tapete. Seu componente mais visível através
da denominação neoliberal é o caráter econômico de diminuição do Estado por
meio de privatizações e outros dispositivos que são criticados pela esquerda
pelo menos desde o governo FHC, ainda que o período petista não tenha se
livrado do rótulo.
No entanto, a questão também importante
e negligenciada é o componente moralizador do neoliberalismo, que visa
destruição da sociedade ou dos componentes sociais materializados em políticas
públicas, daí os ataques recorrentes à educação, à cultura e ao meio ambiente,
este último por conta da perspectiva extrativista que orienta o governo.
Frente ao espanto e, em vários momentos,
à negação das esquerdas frente à parafernália discursiva que a agenda moral do
bolsonarismo coloca, o caminho passa por tecer uma nova moralidade para se
contrapor ao milicianismo evangélico que formata um novo tipo de nazismo que se
conforma de forma dominante no contexto brasileiro.
Neste sentido, me parece que as lutas
podem nos ensinar esses novos caminhos na medida em que não se trata apenas de
bradar o lema inadequado “é a economia, estúpido”, mas de uma disputa moral e ética
que perpassa a sociedade em xeque.
Autor: Marcelo Castañeda é cientista social,
professor da UFRJ.
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