Desde 2014, quando a crise se instala
definitivamente na economia brasileira, todo final de ano os aparelhos
ideológicos da burguesia são mobilizados para difundir a ideia de que a
recuperação está a caminho. Seguindo a orientação do Ministério da Economia, os
sacerdotes da ordem divulgam previsões otimistas sobre as perspectivas da
economia, com o incondicional apoio da grande mídia.
Ao contrário de um exercício objetivo,
baseado em dados reais sobre os condicionantes do nível de atividade e os
mecanismos que determinam o crescimento econômico, trata-se de uma operação
meramente ideológica destinada a alimentar a ilusão de que a crise está sendo
superada. Quem lê os boletins oficiais não apreende nada sobre a realidade
concreta.
A falsidade é travestida de uma
pseudossofisticada modelagem matemática, cujo elemento mágico é a “confiança”,
categoria arbitrária, que teria o condão de reviver o espírito empreendedor dos
capitalistas e reativar a economia. A mensagem é sempre a mesma: “no próximo
ano, a economia deslancha e o sufoco termina”.
No entanto, nos últimos seis anos, as
estimativas sobre o desempenho do PIB ficaram sempre muito distantes da
realidade. Os erros foram grosseiros. A gravidade da recessão foi
invariavelmente subestimada. Em 2018, por exemplo, a previsão era de que a
economia brasileira cresceria 2,5% em 2019, mas, mesmo com a liberação de quase
R$ 45 bilhões do FGTS dos trabalhadores, o PIB mal atingirá aumento de 1%,
completando o sexto ano de estagnação — o pior desempenho da história do Brasil.
Nesse ritmo, o país precisaria de 37 anos para recuperar a renda per capita de
2013.
Nem por isso os ventríloquos do capital
perderam a arrogância. Na mitologia neoliberal, todo equívoco de análise pode
sempre ser atribuído à necessidade de diminuir ainda mais a presença do Estado
e dos sindicatos na economia. Para 2020, a Secretaria de Política Econômica do
Ministério da Economia acaba de divulgar a estimativa de um crescimento de
2,32%. E, para os dois anos seguintes, uma expansão de 2,5% ao ano. Em
alvoroço, mais uma vez, economistas e jornalistas replicam o número oficial e
comemoram antecipadamente o fim da crise.
No entanto, ainda que a liberação de
recursos do FGTS, a redução das taxas de juros e os efeitos expansionistas dos
gastos associados à eleição municipal possam dar um fôlego temporário ao
consumo das famílias e a investimentos marginais de rentistas que buscam
aplicações mais rentáveis, sobretudo na construção civil, não há nenhum
elemento objetivo que permita imaginar que a estagnação tenha sido superada.
De um lado, a política econômica,
baseada no arrocho salarial, na austeridade fiscal, na liberalização da
economia e no crescente endividamento das famílias, asfixia o mercado interno.
De outro, as incertezas provocadas pelo agravamento da crise capitalista e pela
instabilidade política continuam deprimindo as expectativas de investimentos
das grandes corporações.
Na ausência de mecanismos endógenos de
expansão da demanda agregada, a recuperação da economia brasileira dependerá
fundamentalmente das exportações. Entretanto, a perspectiva de evolução do
comércio internacional não é nada favorável, sobretudo quando se considera a
deterioração da situação econômica de nossos principais parceiros comerciais —
China, Estados Unidos, União Europeia e Argentina -, os quais representam quase
2/3 das vendas externas do país.
Nessas circunstâncias, mais realista (e
honesto) seria supor que, em 2020, como nos três anos anteriores, o PIB
oscilará entre 0,5 a 1,5% ao ano. A modesta expansão do consumo das famílias e
dos investimentos da construção civil deve ser compensada pela contração da
demanda externa.
Consciente de que a suposta superação da
crise carece de qualquer fundamento, o Ministério da Economia alerta que a
confirmação das previsões depende do aprofundamento das reformas liberais. É um
embuste. Depois de dizerem que a solução da crise dependia da flexibilização
das leis trabalhistas, do congelamento por vinte anos da política social e da
reforma da previdência — que não tiveram qualquer efeito anticíclico -, as
autoridades econômicas voltam a insistir na mentira de que a recuperação
depende do avanço das privatizações, da aprovação da PEC federativa e do
sucesso da reforma administrativa.
Como não há espaço para a crítica e o
debate democrático, não há limite para as sandices repetidas pela propaganda
neoliberal com ares de grande autoridade teórica nos meios de comunicação. Não
existe nenhuma base analítica ou empírica para supor que o mágico “choque de
confiança” provocado pelas reformas liberais possa conduzir à recuperação do
crescimento e do emprego.
O objetivo do neoliberalismo selvagem
nada tem a ver com a melhoria das condições de vida da população. Trata-se pura
e simplesmente de aumentar a taxa de exploração do trabalho; transferir recursos
fiscais para o setor privado; fomentar a mercantilização das políticas
públicas; impulsionar a privatização do patrimônio público; franquear o mercado
nacional à operação do capital internacional; desregulamentar a economia,
eliminando qualquer tipo de obstáculo à operação dos capitais; e garantir a
sustentabilidade intertemporal da dívida pública.
No capitalismo da reversão neocolonial,
o mito do crescimento como panaceia não tem mais nenhuma aderência à realidade.
Sem ter o que oferecer à população, às classes dominantes só resta a
manipulação deslavada da opinião pública e a repressão violenta do protesto
social.
Autor: Contrapoder – Publicado no Correio da
Cidadania.
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