Com todas as
suas limitações, a democracia ainda é a única possibilidade para que um povo
possa conviver com o melhor de seus valores!
Embora não exista o perigo de querer
solucionar a crise política e social do Brasil com a intervenção militar,
negada pelo exército, é verdade que essa tentação começa a aparecer em alguns
círculos como uma perigosa miragem capaz de condicionar as próximas eleições
presidenciais. Acabamos de ver isso no momento mais agudo da greve dos
caminhoneiros, na qual se ouviram vivas ao ditador chileno Pinochet e apelos por
um governo militar.
Minha amiga Telma, que trabalha com
cultura, me conta consternada: “Juan, estão gritando que eu vá embora para
Cuba, que sou comunista por defender que a greve dos caminhoneiros pode favorecer
o ultradireitista Bolsonaro.”
Outro amigo meu, Antonio, aposentado da Petrobras que sabe
que sofri a longa ditadura militar franquista na Espanha, confidencia: “Juan,
não se iluda, só os militares podem salvar o Brasil, fechando esse Congresso
corrupto e assumindo o comando do país.”
Qualquer brasileiro medianamente
informado sobre a história deveria, no entanto, saber que, com todos os seus
defeitos, ninguém ainda encontrou uma fórmula melhor do que a democracia para
que uma sociedade viva em harmonia no tocante a suas liberdades e direitos.
Custa-me, por isso, imaginar que um intelectual ou artista, qualquer que seja
sua tendência política, possa apostar
nos militares para tirar o país da crise, porque se sabe que nenhuma
solução autoritária produz bem-estar, convivência e respeito às diferenças. E,
no entanto, essas mesmas pessoas que consideramos iluminadas e formadoras de
opinião parecem cair na armadilha de apoiar ou alimentar movimentos populares
de protesto que, ainda que possam parecer uma forma legítima de pressionar o
poder e defender os direitos dos trabalhadores, podem se transformar em um
bumerangue em momentos históricos de confusão ideológica como o que o Brasil
está vivendo.
A história ensina que, em muitas
experiências de cunho fascista, não poucos intelectuais e artistas acabaram
colaborando explícita ou implicitamente sob pretexto de defender os oprimidos.
A miragem das soluções totalitárias contra as arbitrariedades dos governantes
das democracias acabou apoiando totalitarismos e regimes militares que chegaram
ao poder não com o voto, mas pela imposição das armas. Já tivemos isso na Alemanha de Hitler, na
Itália de Mussolini e na Espanha de
Franco, para falar apenas da Europa.
No momento em que escrevo esta coluna
ainda não é possível fazer um balanço do que representou, politicamente, a
greve dos caminhoneiros no Brasil, à qual parece querer seguir a dos
petroleiros e, quem sabe, também a de outras categorias que poderiam sair às
ruas “contra tudo e contra todos”, que é a fórmula mais perigosa para impedir
uma solução dialogada que faça justiça aos abusos que podem ter sido o estopim
das manifestações.
Quem viveu e sofreu por muitos anos um
regime totalitário sabe que, com todas as suas limitações, a democracia ainda é
a única possibilidade para que um povo possa conviver com o melhor de seus
valores. Quem, por exemplo, hoje pode gritar nas estradas contra o governo para
defender o que considera seus direitos, ignora que não poderia fazê-lo sob
nenhum regime totalitário sem pôr em perigo sua própria vida.
Na política, na família ou em qualquer
relacionamento humano, nada é capaz de substituir o diálogo se não se quiser
viver no inferno da incomunicabilidade. Nunca a força imposta pelas armas fez a
Humanidade crescer no melhor que possui, como sua possibilidade de viver em
liberdade sem a tirania dos muros, nem os de Berlim nem os do México, emblema,
ambos, dos crimes contra a liberdade e a convivência democrática.
Autor:
Juan Arias – Coluna Opinião – El País
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