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8 de outubro de 2021

Olhares Negros para mares de liberdade!

Olhares Negros é uma embarcação, rumo ao porto das nossas memórias, histórias e sonhos.

Para se apagar uma história alguns instrumentos são amplamente nomeados e outros tantos dissimulados. O genocídio, processo sistemático de extermínio de um grupo populacional, foi e segue sendo o guarda-chuva de violências brutais e silenciosas para o extermínio de um povo: tem que calar o corpo, a boca, cortar a comunicação e normalizar a brutalidade. Outro elemento deste caldeirão é inserir muros altos, quase que impermeáveis, para desqualificar as contra narrativas de liberdade. Afinal, são as mentiras de cinco séculos, ainda hoje recontadas, que dão suporte para a perversidade contemporânea - letra morta, às vezes natimorta, apenas a negra.

Resistir e escrever com palavras próprias os caminhos da liberdade foi - e continua sendo - tarefa coletiva. E esses afazeres do tecer e do narrar guardam um tanto da humanidade negada sobre a ação insurgente que é pensar o mundo e descrevê-lo por meio do olhar negro.

Assim, andando em círculos ao redor da árvore do esquecimento, mas no sentido oposto ao determinado pelo colonizador, Wania Sant’Anna promoveu um reencantamento da memória e de nossa história. Foi assim que nos demos as mãos, eu, ela, Dulce Pereira, Kelly Tiburcio, Vanda Machado, Mariana Maiara, Helena Theodoro e Iara Brandão. O que era apenas um convite, se transformou, como em séculos passados, na formação de mais uma irmandade que bem pode servir de exemplo para que outras floresçam. Nasceu aí a coluna Olhares Negros. As mais velhas já diziam: se quer ir longe, siga acompanhada. É proteção e, também, tecnologia ancestral de resistência.

prende-se muito ao longo da vida e construir amizades é um dos mais espetaculares aprendizados. A construção da amizade é também parte do exercício da humanização. Não há disputa, há convergência através da palavra, do espaço e do afeto.   Há um ano alguns de nós já se conheciam, eram amigas de longa data, outras se tornaram amigas a partir de então, hoje nós somos um grupo de mulheres negras amigas, confidentes e colunistas do Olhares Negros.  Neste convívio, nós nos apoiamos em olhares e visões de mundo e nos arriscamos na tarefa de compartilhar essa jornada com leitores, leitoras e toda a turma do Congresso em Foco.  A experiência real é a da liberdade e da pluralidade de pensamento, em cada detalhe. Entre o muito que aprendemos até aqui, a decisão mais acertada foi construir esse espaço de fala com a característica de um espaço coletivo de oito mulheres negras dedicadas à transformação do país a partir de suas ideias e ações, muitas ações.

Desde outubro de 2020 publicamos 46 artigos, pensamos as vírgulas e os sentidos de cada um deles, selecionamos suas fotos na curadoria atenta e clique sensível de Mariana Maiara, também colunista. Sobre as fotos também foram momentos de revisitar os álbuns de família e sentir a emoção do passado que a lembrança nos permite ao olhar pessoas e lugares que marcaram nossas vidas - e toda uma história coletiva por contar. Ter liberdade para escrever é algo muito especial desde sempre, mas especialmente nesses dias de rivalidades, intolerância, negacionismos e violências no plural.

Em Olhares Negros nos propusemos a falar de tudo um pouco, desde a conjuntura às profundezas e sutilezas do racismo no Brasil. Sob a perspectiva da comunidade negra, nossos artigos buscaram tratar questões relacionadas à memória, educação, cultura, religiosidade, espiritualidade, filosofia, história, política, fotografia, culinária, atuação comunitária, economia, direito, meio ambiente, cinema, entre muitos outros. Sim, advogamos a existência de uma perspectiva negra sobre esses assuntos porque as práticas de silenciamento e invisibilidade que se abatem cotidianamente sobre nossas visões de mundo corrompem o pensar, solapam a produção de conhecimento e perpetuam as hierarquias que sustentam o racismo, a discriminação racial e o preconceito. Neste sentido, nominar nossa coluna Olhares Negros não foi uma casualidade, pelo contrário, esse foi um ato deliberado e consciente.

Buscamos, coletiva e incansavelmente, a reflexão. Consideramos que o ato de refletir é um processo de libertação necessário aos corpos e às mentes subalternizados à incidência do racismo, do sexismo, da homofobia e das múltiplas formas de violência, discriminação e tentativas de desumanização.  Aliás, a reflexão e a exposição do pensamento e da vivência negra sempre foi um ideal da imprensa negra e dos jornais que buscaram, no passado, “interpretar” e disseminar os anseios da comunidade negra brasileira.

A dificuldade de sobrevivência desses veículos e, consequentemente, sua curtíssima duração não são um mero acaso. Os relatos dessas tentativas empreendedoras têm sido, cada vez mais, objeto de apreciação de historiadores e profissionais de comunicação. Resgatar essas experiências é movimento importante porque reconhecer a voz da comunidade é essencial à demonstração das práticas coletivas de resistência forjadas por mulheres e homens negros em busca de cidadania e dignidade para si e suas famílias.

Olhares Negros é uma embarcação, rumo ao porto das nossas memórias, histórias e sonhos. Mas diferente das tumbas atlânticas, navega conduzido por insurgentes, embalando desejos de liberdade. Celebramos este primeiro ano refazendo os votos: que embarquem conosco todos aqueles que queiram derrubar os muros da opressão.

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Blog Falando Um Monte.

Autoras: Roberta Eugênio e Wania Sant´Anna - Publicado no Site Congresso em Foco.

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