A ideia era fazer um
churrasco, mas com aqueles vizinhos, os espetos seriam fatalmente transformados
em espadas.
No mesmo condomínio da Barra, no Rio,
onde mora o presidente da República, quando não está em Brasília, mora um
filho do presidente, mora um dos suspeitos de ter matado a Marielle (preso,
no momento), mora o dono até agora não identificado da casa onde encontraram
todas aquelas armas, moram os três porquinhos pobres e o lobo mau, que
compreensivelmente não se falam quando se cruzam na área social do condomínio,
moram Cinderela e suas irmãs invejosas, que também não podem se
enxergar, e uma lista de condôminos inimagináveis que só agora começa a ser
conhecida. A lista é enorme e cheia de surpresas.
No estranho condomínio, Batman e
o Coringa são quase vizinhos. Quem se espanta com a presença do
suposto assassino da Marielle morando tão perto de um presidente da República
vai se espantar ainda mais com a revelação de que as armas – sobre as quais
nunca mais se ouviu falar – tinham chegado para a milícia da zona, via Sedex, e
recebidas pelo porteiro do condomínio. Mais tarde o porteiro diria que vira o
tamanho dos pacotes e as pontas de ferro aparecendo e concluíra que eram
patinetes.
Lá estão Zorro e o Capitão
Garcia, lá estão Eliot Ness e Al Capone, lá estão Tom
e Jerry morando na mesma casa, mas em eterna briga pelo uso da piscina. Lá
estão desafetos históricos vivendo numa promiscuidade improvável da qual
ninguém tinha ideia. Sherlock Holmes e o dr. Moriarty!
A intervalos, há trégua entre os vizinhos
para tentar diminuir a tensão causada pela promiscuidade insana. Os Montecchios e
os Capuletos, que ocupam lados opostos do condomínio e vivem em constantes
choques dos quais nunca ficamos sabendo, unem-se para fazer uma macarronada
comunitária. A ideia original era fazer um churrasco, mas os espetos acabariam
fatalmente transformados em espadas. O banho de sangue seria inevitável.
Autor:
Luis Fernando Verissimo, O Estado de S. Paulo
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