Ocupado com ofensas, mentiras e
absurdos, o presidente ignora a mudança climática. Uma das desvantagens do
sistema presidencialista é uma só pessoa poder definir a agenda de todo um
país. E se ela é um psicopata?
Ultimamente tenho um certo receio de
olhar as notícias. Quase diariamente se ouve mais uma crueldade, um comentário
infantil, uma mentira ou uma ameaça do presidente Jair Bolsonaro ou de um de
seus ministros. É desesperador, é frustrante, é de sentir vergonha alheia. É
também de dar medo.
O trágico é que estamos vivendo um
momento-chave da história. Se a humanidade não agir depressa e coletivamente,
dentro de não muito tempo viveremos uma reviravolta inimaginável. O mundo como
existe hoje se transformará dramaticamente.
Quem diz isso não são teóricos da
conspiração, mas sim instituições científicas de todo o mundo. É consenso entre
os especialistas: a mudança climática global está chegando! A questão é só com
que força vai se abater. Ela é a maior ameaça a nossa segurança. A situação é
de emergência.
É claro que a mudança climática também
atingirá o Brasil. No entanto, a maioria dos brasileiros age como se vivesse em
outro planeta. Os especialistas dizem que as condições meteóricas extremas vão
se agravar no Brasil. Ficará mais quente e mais seco, vai haver mais secas e
carência d'água. Também as tempestades fortes e chuvas apocalípticas
aumentarão; graves inundações serão cada vez mais frequentes. Tudo isso já se
faz sentir, de forma incipiente.
Nas democracias ocidentais, o consenso é
que se atingiu um ponto crítico, e seria necessário agir de forma rápida e
decidida. Consenso, com duas grandes exceções: os Estados Unidos e o Brasil.
Lá, quem governa é a vulgar nova direita, que declarou a mudança climática uma
invenção da esquerda.
De que o presidente do Brasil se ocupou
nas últimas duas semanas? Uma seleção aleatória:
– Ele elogia o trabalho infantil.
– Ele nega a fome no Brasil.
– Ele ofende o Nordeste.
– Ele não conhece os dados das
repartições governamentais sobre o desmatamento da Amazônia. Quando é informado
sobre eles, diz que são falsos.
– Ele quer tornar seu filho embaixador
nos Estados Unidos, "porque pretendo beneficiar filho meu, sim".
– Ele distribui "abraços
héteros".
– Ele divulga o Instagram da esposa para
ter "alguma recompensa hoje em casa".
– Ele ameaça o jornalista de renome
mundial Glenn Greenwald de "pegar cana no Brasil".
– Ele tacha de "idiotas" as
perguntas sobre o uso de verbas públicas no casamento de seu filho.
– Ele anuncia que quer explorar as
terras indígenas protegidas pela Constituição.
– Ele ataca da pior maneira possível o
presidente da OAB e sua família.
– Ele corta os cabelos ao vivo.
Com seu sadismo, sua infantilidade, sua
fanfarronice, sua preguiça intelectual e suas mentiras, Bolsonaro domina o
discurso no dia a dia do Brasil. Uma das muitas desvantagens dos sistemas
presidencialistas do continente americano é uma só pessoa poder definir a
agenda de todo um país. Pois: e se essa pessoa não bater muito bem da bola?
O ser humano é um animal altruísta, que
deve seu sucesso no planeta, acima de tudo, à cooperação. Provavelmente, todos
os leitores concordam com essa frase. Portanto, a grande questão é: por que
somos cada vez mais governados por psicopatas?
Uma sociedade é sempre bem-sucedida
quando reconhece desafios, procura soluções e as implementa – essa sempre é uma
enorme chance de progresso e crescimento. A mudança climática é um desses
desafios, ela exige que raciocinemos diferente. Faz parte da tragédia de nossa
época as duas maiores e mais populosas nações das Américas serem governadas por
homens condicionados pelo velho raciocínio, respectivamente, raciocínio nenhum.
Eles vivem em mundos paralelos, onde a mudança climática não acontece.
Em sua obra Colapso, o biólogo e
evolucionista americano Jared Diamond enumera alguns fatores importantes que
contribuíram para o ocaso de sociedades, na história. Entre eles: ignorância
diante de problemas existenciais como carência d'água ou desflorestamento;
fanatismo religioso ou político; conflitos internos graves; líderes com mais
interesse na manutenção de poder no curto prazo do que em mudanças de longo
prazo. Soa familiar?
O Brasil é o quinto maior emissor de
gases do efeito estufa do mundo, atrás apenas de China, EUA, Rússia e Índia.
Cerca de 75% das emissões do Brasil estão associadas a usos da terra, como
agropecuária e sobretudo desmatamento. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) mostram que o desmatamento avança rapidamente em 2019. A
devastação das florestas cresceu 54% entre janeiro e julho, em relação ao mesmo
período em 2018.
O governo do Brasil não quer reconhecer
isso. Jair Bolsonaro prefere chamar os dados de "mentiras". A
ministra da Agricultura, Tereza Cristina, diz: "Não podemos cair nessa
histeria." O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirma que a
Amazônia tem "desmatamento relativo zero" e faz propaganda no Twitter
para a montadora americana Chevrolet.
Na mudança climática, a questão não são
as asneiras e vaidades de Jair Bolsonaro ou Donald Trump. Os interesses
especiais dos seus ministros. Ou esquerda ou direita. A questão somos todos
nós.
Autor: Philipp Lichterbeck queria abrir um novo
capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde
então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América
Latina para os Jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique)
e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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