Há dias um juiz negou o pedido de uma
ex-funcionária do banco Itaú para processar seu antigo empregador por fazê-la
trabalhar em horas extras não pagas, além de praticar assédio, obrigá-la a
acúmulo de função e desrespeitar outros direitos trabalhistas elementares.
No entanto, baseado na nova lei
trabalhista, o juiz em questão resolveu obrigar a trabalhadora a pagar os
custos dos advogados do banco, ou seja, R$ 67 mil. Ele deve esperar, com isto,
criar uma jurisprudência que desestimule de vez trabalhadores a acreditar terem
o direito de usar a Justiça para se defender de seus empregadores.
Na mesma semana que ficamos sabendo
desta nova modalidade de Justiça, uma das maiores empresas nacionais de
expropriação de alunos, uma empresa que não teme macular o termo
"universidade", demitiu sumariamente 1.200 professores. Sem se preocupar
minimamente com o impacto de tal decisão no ensino oferecido aos alunos, nas
pesquisas desenvolvidas e orientações, a dita empresa de expropriação
estudantil espera aproveitar-se das nova legislação trabalhista para oferecer
salários ainda mais aviltantes a professores atemorizados em regime precário.
Esses dois fatos não são fenômenos
isolados, mas expressam de forma cristalina a razão pela qual atualmente existe
governo no Brasil.
Há governo no Brasil para levar ao
extremo uma guerra civil não declarada contra aqueles que vivem de salários,
para submetê-los a um regime de medo e insegurança social absoluta a fim de
quebrar qualquer ímpeto possível de mudança nos padrões de circulação do
dinheiro e das riquezas. Por isto, o paradigma para entender o Brasil atual não
é o paradigma do governo, mas o paradigma da guerra.
Ele começou com o uso da instabilidade
política para insuflar a crise econômica por meio de pautas-bombas no
Congresso, de assalto aos cofres públicos por meio de aumentos aviltantes ao
Poder Judiciário, de queda completa da credibilidade internacional do Brasil
por meio de um governo de presidentes indiciados. Uma crise do tamanho da que
vemos atualmente não foi resultado apenas de descaminhos econômicos. Colaborou
de forma decisiva uma dose maciça de produção política. Pois em situação de
crise, o paradigma da guerra civil pode reinar.
Mas para que esta guerra avance a
ponto de levar a população à capitulação faz-se necessário o golpe final da
reforma previdenciária, que deve ser dado na semana que vem. É digno de um
cinismo diabólico ver a casta de privilegiados que passa incólume da crise
econômica atual (representantes do sistema bancário-financeiro, grandes
empresários, políticos com aposentadorias garantidas, juízes) tentar vender à
população a necessidade de destruir o sistema previdenciário brasileiro sob a
capa exatamente do "combate aos privilégios".
A não ser que, de agora em diante, o
simples ato de aposentar-se seja descrito, na novilíngua neoliberal, como
"privilégio".
No entanto, "privilégio" não
foi o termo usado para a decisão da Câmara de conceder isenção fiscal a gigantes
petrolíferos que explorarão o pré-sal (MP 795/2017) impondo perdas de até R$ 1
trilhão em 25 anos. O governo aponta que tal isenção gerará bilhões para o
país.
Deve ser um processo de geração da
mesma natureza dos empregos que o mesmo governo prometia com a aprovação da
reforma trabalhista. Algo cuja existência é da mesma ordem do círculo quadrado,
do unicórnio e da honestidade do presidente Michel Temer. Se democracia
houvesse em nossas terras, o fato de a maioria esmagadora da população preferir
candidatos fora do horizonte de sustentação do "governo" atual seria
elemento fundamental impedir sua guerra travestida de política econômica.
Como democracia aqui é só uma fachada
já bastante puída e degradada, o "governo" de menor aprovação popular
do mundo, que inveja até mesmo os índices de aprovação de Nicolás Maduro, pode
usar todo seu aparato jurídico-policial para quebrar o ímpeto de defesa da
classe trabalhadora. O que passa por prisões arbitrárias, "condições coercitivas"
surreais, multas milionárias para sindicatos que procuram exercer o direito de
greve, ameaças de golpe militar, entre outros.
Melhor seria que a população
brasileira entendesse de vez que estamos em uma forma de guerra civil de baixo
impacto no qual Estado brasileiro mostra claramente sua face de instância
beligerante.
Autor:
Vladimir Safatle – Professor livre docente do Departamento de Filosofia da USP.
Escreve as Sextas para a Folha de SP.
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