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14 de novembro de 2020

Do antiglobalismo à bravata da pólvora!

Depois de quase 2 anos de total subserviência aos EUA, com Trump na presidência, agora Bolsonaro ensaia, levianamente, ameaças ao governo americano.

                                        Andressa Anholete via Getty Images

Jair Bolsonaro disse que poderia até usar "pólvora" para lidar com governo dos Estados Unidos.

Com a derrota de Donald Trump, os sinais de desespero do bolsonarismo se intensificam. Um dos episódios recentes que podem produzir resultados mais graves no longo prazo é o das bravatas de Bolsonaro a respeito do emprego da “pólvora” para lidar com o novo governo americano. 

Joe Biden, durante a campanha, havia dito que, se necessário, pressionaria o Brasil a reduzir as queimadas da Amazônia por meio de sanções econômicas. Parece inacreditável, mas, além não reconhecer a eleição de Biden, Bolsonaro cogitou em público, gratuitamente, da possibilidade do uso da força militar contra os EUA.

Sempre se pode dizer que a polêmica suscitada por Bolsonaro é cortina de fumaça para deslocar a atenção da opinião pública da notícia sobre a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra um de seus filhos no caso das “rachadinhas”. Hoje, poucos analistas duvidam que o atual mandatário tem se orientado, sobretudo, pelo propósito de administrar esse e outros processos criminais. 

Ainda que não seja essa a motivação de Bolsonaro, o certo é que, de patriótica, a bravata da pólvora não tem nada. Trata-se apenas de mais um triste episódio de irracionalidade política, associado à cosmologia conspiratória do mandatário.

A retórica nacional-populista de Bolsonaro, como ocorre com diversos outros populistas autoritários, procura hoje promover a rejeição à globalização. Mas o antiglobalismo de Bolsonaro não resulta em medidas de proteção da economia nacional. Nessa esfera, impera o neoliberalismo extremista de Paulo Guedes, que, em diversas ocasiões, tem sugerido que o País promova a revogação unilateral de qualquer barreira ao comércio internacional. O discurso antiglobalista de Bolsonaro se volta apenas contra o que considera excesso de regulação oriunda da comunidade internacional, sobretudo nas áreas ambiental e da proteção dos direitos humanos.

Inspirado pela extrema-direita norte-americana, o bolsonarismo considera o globalismo expressão do que denomina “marxismo cultural”, conspiração internacional à qual imputa o papel de ter corroído valores e instituições tradicionais, como a família, o mercado e a nação. 

Para combater o “globalismo” e o “marxismo cultural”, a diplomacia de Bolsonaro já nos constrangeu solicitando alterações em documentos internacionais para excluir o termo “gênero”. Os diplomatas brasileiros têm sido instruídos a sustentar o entendimento de que o termo só poderia significar o sexo biológico, não a orientação sexual. 

Em razão de seu antiglobalismo, o atual presidente é também refratário aos padrões internacionais de proteção ambiental. 

Logo no início do governo, o atual presidente fez que o Brasil renunciasse a sediar a conferência da ONU sobre mudanças climáticas e ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris. Acabou retrocedendo no contexto do anúncio de acordo livre comércio entre Mercosul e União Europeia, por pressão dos governos da França e da Alemanha. 

Em setembro de 2019, Bolsonaro pronunciou seu primeiro discurso perante a Assembleia Geral da ONU. Na ocasião, ao responder às críticas recebidas pelo agravamento das queimadas na Amazônia, reiterou sua rejeição ao “globalismo”: “Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um ‘interesse global’ abstrato. Esta não é a Organização do Interesse Global! É a Organização das Nações Unidas”. 

Um aumento das queimadas, em 2019, foi detectado pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Ao invés de tomar medidas para reduzi-las, Bolsonaro demitiu o diretor do Instituto.

Depois de quase 2 anos de total subserviência aos EUA, com Trump na presidência, agora Bolsonaro ensaia, levianamente, ameaças ao governo americano. Os danos impostos ao País pelo atual governo, cada vez mais, parecem se tornar irreparáveis.

Autor: Cláudio Pereira de Souza Neto é advogado e autor de "Democracia em Crise no Brasil".

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