Na última terça-feira se encerrou mais um show, que é com o que se parecem as eleições estadunidenses. Comícios espetaculosos, muita produção, muita grana. A forma se sobrepondo ao conteúdo. Dois partidos que são como dois irmãos siameses, duas cabeças no mesmo corpo. Pelo menos no que diz respeito à política para Nuestra América.
O país tem uma política de estado para nossos países que praticamente não muda, seja quem for o presidente, desde 1823, quando uma mensagem do presidente James Monroe lapidou o que seria a “doutrina Monroe”: a América para os americanos. Com essa consigna os Estados Unidos garantiram a balcanização da América Latina, impedindo o avanço do colonialismo europeu, mas também travando a proposta generosa de Bolívar de uma Pátria Grande.
Na frase de Monroe, o substantivo “americanos” não engloba as gentes de todas as Américas, mas apenas os estadunidenses. Coisa que mais na frente, em 1831, já morto Bolívar, vai se concretizar no chamado “destino manifesto”, que é a doutrina que atribui aos Estados Unidos um destino, outorgado pelo próprio deus, de expandir seu território e seu poder por todo o globo. É assim que usando o nome de deus, o governo se apropria de mais de um milhão de quilômetros quadrados do México.
Foi o destino manifesto que também serviu de escudo do avanço para o Oeste, exterminando populações inteiras de grupos originários, e é o que ainda bradam os governantes quando fazem suas guerras: em nome de deus, da democracia e da liberdade (do grupo de elite, claro). Agarrados num deus onipotente, e que lhes transferiu poder na terra, os governos avançam sobre a América Latina, o Oriente Médio e qualquer outro espaço que desejem tomar.
Quanto à ideia de Monroe e do destino manifesto, não se diferenciam os democratas e os republicanos. A gente nota nas redes sociais que uma boa parcela das pessoas mais à esquerda tende a torcer para que o vencedor seja Biden, já que Trump é o “best friend” do Bolsonaro e uma segunda vitória do milionário pode fortalecer ainda mais as políticas ultraliberais do governante brasileiro. Mas é bom lembrar que Biden foi vice de Obama e que os dois juntos lideraram inúmeros conflitos fora de seu país.
Nos oito anos de Obama na Casa Branca, não houve um só dia sem que os Estados Unidos não estivessem bombardeando algum lugar. Não bastasse a guerra “quente” também há que se contabilizar as intervenções disfarçadas - como o apoio à queda de Kadafi – e as ações econômicas contra dezenas de países não alinhados. Portanto, mesmo que pareça simpático, Biden tem um largo histórico belicista.
Para os estadunidenses o que conta são as questões internas e é por isso que artistas e intelectuais progressistas estão na aba de Biden. A crise sanitária com o coronavírus, que já cobrou mais de 200 mil vidas, colocou ainda mais a nu um sistema de saúde que se guia pelo dinheiro. Quem tem seguro, pode ter uma chance de viver, dependendo de qual seguro pode pagar. Mas, quem não tem, morre. E ponto. Os democratas tem uma proposta de saúde pública, que nem chega aos pés do nosso SUS, mas já é algo.
Também há toda uma expectativa com relação à política do estado com os negros(as) e as mulheres. Algo que pode ser uma ilusão, visto que mesmo quando um presidente negro, democrata, esteve no governo, o sistema prisional seguiu encarcerando muito mais negros do que em outros tempos. De qualquer forma, Biden aparece como mais moderado que Trump. E é nisso que esses grupos estão apostando. Pelo menos, tirar Trump.
Já para nós, na América Latina, qualquer um dos que vencer vai ser problema. Biden inclusive já tem se manifestado dizendo que quer controlar nossa Amazônia. E isso não significa que vai nos defender de Bolsonaro. Não se enganem. Se Trump perder, o presidente brasileiro vai chorar, mas se Biden estender a mão ele logo, logo, muda de “best friend”, afinal, seu fascínio é pelo império. É o nosso Darth Vader.
Portanto,
fiquemos de olho no resultado. As eleições nos EUA não são diretas. Quem vota e
decide a questão é um colégio eleitoral de 400 e poucas pessoas, delegados dos
estados. A eleição é feita em cada estado e cada um tem suas próprias regras.
Se houvesse uma comissão para acompanhar as eleições verificando se não há
fraude, ela certamente teria muita dificuldade. Lá, os eleitores podem votar
por correio e de maneira antecipada. Não há coordenação nacional. Portanto, a
segurança do processo é muito precária. A coisa é tão doida que mesmo se um
candidato tiver mais votos no geral ele pode não levar, como já aconteceu.
Dessa forma, talvez fosse hora de os Estados Unidos invadirem os Estados Unidos
para levar democracia e liberdade ao povo de lá.
Autora: Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-americanos da UFSC.
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