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26 de julho de 2018

Por que nos esquecemos dos livros que lemos!

Lembramos onde lemos aquela obra ou como era a capa. Mas costumamos ter mais dificuldade em evocar o argumento

É muito frequente lembrar os lugares onde lemos: na esteira da praia, à sombra das árvores; em um parque de diversões; em um apartamento minúsculo onde dava para ouvir o trem; na mesa da cozinha de casa. Mas é um pouco mais difícil se lembrar de qual livro foi lido em que lugar, quem era o autor, ou o enredo. Mesmo que às vezes se lembre que tinha capa vermelha ou que era uma edição de bolso.
Ou seja, guardamos lembranças da sensação física da leitura, mas menos do que foi lido. “Quase sempre me lembro de onde estava e me lembro do livro. Lembro-me do objeto físico”, disse Pamela Paul, editora do New York Times Book Review, a Julie Beck em uma reportagem na The Atlantic. Ela continua: “Eu me lembro da edição, da capa e, geralmente, de onde comprei ou quem o deu para mim”.
O que não lembro e isso é horrível é todo o resto. O que mais me lembro sobre a coleção de contos de Malamud O Barril Mágico é a luz morna do sol na cafeteria às sextas-feiras, onde eu o lia antes de ir para o colégio. Faltam os pontos mais importantes, mas já é alguma coisa.
A leitura tem muitas facetas, uma delas pode ser a mistura indescritível, e naturalmente fugaz, de pensamento e emoção, e as manipulações sensoriais que ocorrem no momento e logo desaparecem. Quanto da leitura é, então, uma espécie de narcisismo, um marcador de quem você era e sobre o que estava pensando quando se encontrou com um texto?”, escreve Ian Crouch na The New Yorker sobre ler e esquecer o que se leu.
Há sortudos capazes de lembrar os enredos de filmes, séries e livros, mas para a maioria, como escreve Beck, é “como encher uma banheira, entrar nela e ver a água descer pelo ralo: pode deixar uma fina película na banheira, mas o resto não está mais lá”. Existem algumas razões científicas para explicar isso e têm a ver com a chamada “curva do esquecimento”, que é a velocidade com a qual nos esquecemos de algo, mais intensa durante as primeiras 24 horas depois que aprendemos alguma coisa, a menos que se faça uma revisão.
Isso explicaria por que os livros lidos em um fôlego só, ou as séries devoradas em uma sentada, são esquecidos mais facilmente: não se pôs a memória da recuperação para trabalhar.
De fato, sabe-se que quem consome uma série assistindo um capítulo por semana ou um por dia se lembra dela melhor do que quem a vê inteira em um único dia. Ler um livro de uma só vez, às vezes, significa esquecê-lo mais cedo, porque só foi ativada a memória de trabalho, não há revisão.
Em parte, sempre foi assim, mas de acordo com Jared Horvath, pesquisador da Universidade de Melbourne, citado por Beck, “a forma como se consome informação e entretenimento hoje mudou o tipo de memória que valorizamos”. A memória de recuperação se tornou menos necessária em parte graças à internet, agora a memória de reconhecimento é mais importante, afirma Horvath.
A possibilidade de ter acesso à informação significa que não é necessário memorizá-la. Está disponível na internet, a grande biblioteca global, mas também em alguns de seus predecessores, como livros, cassetes ou VHS. De fato, Sócrates já era contra o “uso das letras” como uma espécie de memória externa que dificultaria a memorização. Hoje conhecemos a relutância do filósofo contra a letra escrita, e todo o seu pensamento, graças aos diálogos de Platão, que foram registrados por escrito.
Em The Solitary Vice: Against Reading [O Vício Solitário: Contra a Leitura], a professora e ensaísta Mikita Brottman recupera este fragmento de O Tempo Redescoberto, de Proust, um grande explorador da confluência entre leitura e memória: “Um livro que lemos não permanece unido para sempre apenas ao que havia em torno de nós; continua fielmente unido também ao que éramos então, e só pode ser sentido de novo, concebido, através da sensibilidade, através do pensamento, pela pessoa que éramos então”. Brottman também cita as memórias de Azar Nafisi, Lendo Lolita em Teerã, onde o autor escreve: “Se um som pudesse ser guardado entre as páginas da mesma forma que uma folha ou uma borboleta, diria que, entre as páginas do meu Orgulho e Preconceito, o romance mais polifônico de todos... está escondido, como uma folha de outono, o som daquela sirene [antiaérea].” Essa relação com os livros lidos e às vezes esquecidos explica a existência das memórias bibliófilas. O livro de Brottman pertence, em parte, a esse gênero, e Lendo Lolita em Teerã, completamente. É um gênero que tem seu próprio acrônimo: Bob, book of books.
Pamela Paul mantém o seu diário de leituras desde os 17 anos e foi com base nele que escreveu My Life with Bob: Flawed Heroine Keeps Book of Books, Plot Ensues [Minha Vida com Bob: a Heroína Defeituosa Mantém o Livro dos Livros, a Trama Continua].
De acordo com um artigo no Financial Times, estamos em um bom momento para bibliomemórias. Lucy Scholes escreveu sobre o gênero: “A bibliomemória é um convite aberto para olhar as prateleiras da biblioteca de outra pessoa; uma oferta que eu, e claramente muitos outros, acho difícil recusar”.
O capítulo do expurgo da biblioteca de Dom Quixote sempre foi lido como uma crítica literária mais ou menos camuflada, e como uma declaração das fontes do Quixote, mas também é uma lista de livros lidos, ou seja, uma bibliomemória.
O desejo de registrar sua biblioteca essencial foi o primeiro impulso que levou Ismael Grasa a escrever La Hazaña Secreta [A Façanha Secreta], um livro que, entre muitas outras coisas, é um diário de leituras. Alberto Manguel cultivou o gênero com resultados brilhantes. Em Packin’ My Library [Encaixotando Minha Biblioteca], ele escreve que escritores e leitores sempre se perguntaram se a literatura tem algum papel na formação de um cidadão. Lucy Scholes responde que “em sua exploração da relação simbiótica entre vida e literatura, a bibliomemória parece ser um grito de guerra afirmativo”.

Autora: Aloma Rodríguez é escritora e membro da redação de Letras Libres.

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