Sozinho. Em primeiro plano,
levando milhões a outros planos, tem um punho direito erguido como se fosse uma
antevisão de Sócrates, que seria para sempre corintiano um ano depois. Tem uma
camisa número dois do Corinthians com um oito às costas. Tem milhões de camisas
12 jogando por todo o time que não sabia o que era ser campeão havia 22 anos.
Não digo que não sabia o que era ser
Corinthians que, sabidamente, não é para isso que foi fundado em 1910. O
Corinthians nasceu para multiplicar Corinthians pelo mundo. Para ganhar como
poucos para os fiéis, para irritar como raros os que não são.
Quando havia o Santos de Pelé e o
Palmeiras de Ademir, e, depois, o São Paulo de Pedro Rocha, não havia como ser
campeão estadual e do Brasil.
Só foi ser possível três anos depois
do Rei sair da Vila, 25 dias depois de o Divino parar, e a partir dos 16
minutos da finalíssima quando Rui Rei foi mais realista que o árbitro.
Mas isso é menos quando se fala da
alegria de milhões. Quando vimos tantos não conseguindo
gritar esse gol que só um Osmar Santos, um José Silvério e um Fiori Gigliotti
para narrar. O mais corintiano dos gols. O gol mais corintiano. O gol de
Basílio.
Esse que corre sozinho por milhões.
Esse que comemora sozinho a mais coletiva celebração da história do futebol
brasileiro por um título. Sozinho porque os outros 10 companheiros saíram um
para cada lado. Todos ao lado do torcedor que foi ainda mais Corinthians por 22
anos. Foram 136 mil no domingo anterior quando tudo parecia ainda mais campeão
quando Vaguinho abriu o placar. Mas o vestiário foi invadido por cartolas e
conselheiros cantando a vitória que, 45 minutos depois, seria virada magnífica
da Ponte Preta. Então mais time. Melhor equipe. Mas não mais Corinthians.
Era muito difícil em 1977 ser campeão
estadual. Era uma decisão equilibradíssima. Foi desequilibrado o campineiro Rui
Rei quando pediu para ser expulso pelo Dulcídio que leva a fama que não
corresponde aos fatos. Ninguém o comprou, embora alguém pudesse tê-lo vendido. Na
bola, o Corinthians foi melhor no terceiro jogo depois da expulsão do
centroavante rival e mereceu o título que os corintianos não mereciam ter
sofrido tanto para vencer. Rui Rei merece a repulsa da Macaca pela besta
expulsão e pela estreia cinco meses depois no Corinthians. Mas os 11 em campo,
Brandão no campo, e os corações corintianos, não.
No período de 1954 a 1977 teve um RJ-SP
em 1966 como conquista corintiana, mas dividida com outros três finalistas. Não
teve título no Brasileiro, embora tenha sido vice, em 1976, e com a conquista
inédita e é única que foi a Invasão do Maracanã contra o Fluminense, uma semana
antes da final. Não teve título no Robertão, embora quase tenha vencido na
última partida do quadrangular final de 1969. Não teve Taça Brasil por não ter
participado do torneio justamente por não ser campeão estadual entre 1959 e
1968 – e pouco antes disso, e mais um tanto tempo depois. Por não ser o que o
chute de Basílio acabou ali. E recomeçou no Morumbi a saga campeã.
Voltaria o Corinthians a ser o maior
dos vencedores de títulos paulistas no bi da Democracia Corinthiana, em 1983.
Ganharia o primeiro Brasileiro, em 1990. A primeira Copa do Brasil, em 1995. O
primeiro Mundial, em 2000. A primeira Libertadores, em 2012. O bi da FIFA, em
2012.
Grandes vitórias de Neto, de
Marcelinho Carioca, de Rincón, de Sheik, de Guerrero, de loucos de todos os
bandos, de serenos comandos como os de Tite. Nenhuma conquista com o sabor
de 13 de outubro. Nenhuma. Isso não é só Corinthians. É futebol.
Só quem é entende – e eu, que não sou,
mas senti um 12 de junho, sei o que é acabar com a fila. Basílio é pai de
todos. De todos os gols em 106 anos de Corinthians. O nome do Basa, filho do meu amigo Vitão. É de anjo o pé que foi com fé naquela
bola que insistia em não ser Corinthians.
Foi no cruzamento de Zé Maria para
Basílio que ele cabeceou buscando um companheiro na grande área da Macaca. A
bola achou Vaguinho que bateu de canhota e acertou a trave do São Paulo.
Wladimir pegou o rebote e enfiou a cabeça do tamanho do coração alvinegro e
acertou a zaga da Ponte, do Guarani, do Palmeiras, do Santos, do Tricolor, de
todas as cores anticorintianas que ainda negavam a vitória do maior rival.
No rebote de tudo contra todos, veio
Basílio para acertar o chute que aprendera na base da Portuguesa com Ipojucan.
Um tiro que ele treinara de moleque no
Canindé e que, por essas coisas do destino e do Corinthians, resolveu cair no
pé de quem sabia. Peso nas costas de quem acertou o pé e acertou as contas com
a história. De quem Corinthians. Basílio pegou como ela veio. De veio! Na
veia! Bola alta, forte, indefensável para Carlos que depois seria Corinthians.
Como, depois daquela bola, tudo
voltaria a ser campeão no Corinthians. O time do povo que sofria sorria como
nunca em 22 anos. E o mais democrático dos paulistas naqueles anos de ferro e
chumbo da ditadura soltava o grito de punho erguido e cerrado.
Festa coletiva que nunca mais se viu. Mas
que se vê, na foto, como ela também foi: a alegria de cada um. Como o Basílio
do instante eterno. Como o Corinthians que não tem foto para registrar o que
foi aquilo. A vitória dele era a de todos.
A vitória de todos era a dele. Isso
não é só Corinthians. É futebol. Mas poucas coisas são mais futebol que o
Corinthians. Pelas tristezas e sofrimentos de 22 anos sem nada. Ou melhor: com
tudo que de fato interessa ao corintiano: o próprio Corinthians.
Se a bola de Basílio não entra, outra
hora seria gol. Até se não entrasse naquela noite de quinta-feira (um dia
depois de o presidente-general da ditadura militar ter afastado um ministro
ainda mais ligado à turma que prendia e arrebentava…), bastaria o empate até o
final dos 90 minutos, e mais outro empate em meia hora de prorrogação, para o
jejum minguar.
Pelo maior número de vitórias no
SP-77, o Corinthians tinha a vantagem do empate contra a Ponte. Mas não era
para ser pelo regulamento. Tinha de ser pelo Timão. E com um gol chorado e
sofrido como o Corinthians. Vaguinho – trave! Wladimir – zaga! Basílio – rede! 1
a 0.
Não precisa de data, ano, local,
razão. Apenas a emoção de Basílio. Não era craque. Não era titular. Mas foi
ele. O predestinado. O corintiano. Basílio. O cara legal que mereceu ser o
ungido. O tocado. O libertador. O campeão. O corintiano. Basílio.
Como na foto, não precisa de legenda.
É lenda. Só não foi lenda que Brandão havia dito a ele que seria o autor do gol
da redenção. Espírita, Oswaldo passou essa informação ao 8. Era isso ou 800. Ou
menos que zero. Foi 1 a 0. Como na foto, Basílio é o Corinthians. Sozinho,
venceu um time melhor, e toda a torcida contrária de palmeirenses,
são-paulinos, santistas e de muita gente do Brasil.
Mas será que ele realmente estava
“sozinho”? Quando se é Corinthians, dever dizer, a “solidão” é ficção. É como a
foto. Um cara que joga por todos x todos. A maior torcida do Brasil era contra
o Corinthians.
Mas não houve maior grito de gol em
todas as torcidas do Brasil que aquele que ainda hoje ouvimos do Morumbi. Faz
39 anos. Eram 22 anos. Será eterno. É Corinthians.
Autor: Mauro Betting
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