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19 de novembro de 2021

O Mefisto do Brasil

Desde o início, Jair Bolsonaro embarcou numa missão de destruição de tudo o que o Brasil tinha de positivo: instituições funcionais, a imensa natureza, a boa reputação internacional, escreve Philipp Lichterbeck.

                    Colunista associa personagem de Goethe ao presidente brasileiro

Nesta semana, tive que pensar na obra-prima alemã Fausto, de Johann Wolfgang von Goethe. Nele, Mefisto, o diabo, diz em certo momento: "O Gênio sou que sempre nega! / E com razão; tudo o que vem a ser / É digno só de perecer / Seria, pois, melhor, nada vir a ser mais / Por isso, tudo a que chamais / De destruição, pecado, o mal / Meu elemento é, integral".

A essência deste Mefisto, então, é a destruição. Ele se deleita em demolir o que outros criaram. Ele é um cínico.

O governo Bolsonaro aboliu há poucos dias o Bolsa Família sem nenhuma necessidade e o substituiu por um programa chamado Auxílio Brasil. Ele vai durar um ano, até depois das próximas eleições, o que, naturalmente, não é coincidência. É a tentativa de Bolsonaro de "comprar" votos.

O Bolsa Família foi um dos programas governamentais de maior sucesso na história do Brasil. Não apenas salvou milhões de pessoas (especialmente mulheres e crianças) da fome e da pobreza extrema, mas deu-lhes, no melhor dos casos, a oportunidade de ascender socialmente. O Bolsa Família foi elogiado pelas Nações Unidas e recomendado a outros países. Foi um programa social que deu certo − e o Brasil era admirado internacionalmente por essa conquista.

Após 18 anos, portanto, não havia motivo nenhum para abolir o Bolsa Família. Bolsonaro provavelmente acabou com o programa por pura maldade e ciúme. Bateria com seu caráter mefistofélico. Em 2019, ele disse nos EUA: "Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa". 

Enfraquecimento de órgãos que faziam bom trabalho

O Bolsa Família naturalmente não é a única coisa positiva que Bolsonaro destruiu. O desmatamento da floresta amazônica está atingindo novos recordes dramáticos. A principal razão disso é o desmantelamento sistemático de Ibama, ICMBio e Funai − órgãos que faziam um excelente trabalho até Bolsonaro chegar ao poder.

O seu governo está destruindo a ciência. Mais recentemente, cortou R$ 600 milhões, o que corresponde a 87% das verbas para a área. Especialistas já alertam para um colapso da pesquisa no país. "Estamos à beira de um apagão da ciência", diz, por exemplo, a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).

Com as nomeações de vários ministros incompetentes e ideologizados para a pasta da Educação, o sistema educacional brasileiro foi ainda mais enfraquecido do que já era. Agora, o Enem passa por uma profunda crise por causa da interferência política de Bolsonaro. Da mesma forma como o Bolsa Família e o trabalho engajado do Ibama, o Enem era parte de um Brasil que deu certo.

A fé na democracia brasileira foi prejudicada gravemente pelo próprio presidente pelas teorias conspiratórias infundadas de que o sistema de votação eletrônico do país teria sido supostamente manipulado. Será ainda necessário mencionar que as urnas eletrônicas no Brasil também têm prestado um serviço fiável e rápido ao longo dos anos? As eleições no Brasil decorrem muito mais eficientemente do que nos EUA. Mas Bolsonaro também queria acabar com elas.

Reputação do Brasil arruinada

As políticas de família e de mulheres foram torpedeadas pela pastora evangélica radical Damares Alves como ministra. Damares esvaziou as verbas para combate à violência contra a mulher e usou apenas metade do dinheiro para ações de proteção e igualdade de direitos. Não usou nenhuma das verbas para políticas LGBT em 2020. Em vez disso, praticou nepotismo ao convidar amigos dela para viagens oficiais e gastar a verba de vocês, queridos contribuintes! 

Por último, mas não menos importante: Bolsonaro não só enfraqueceu o sistema público de saúde do Brasil, relativamente bom para um país em desenvolvimento, diante da pandemia, mas também é responsável pela morte de milhares de brasileiros. Foi isso que constatou a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a pandemia. Bolsonaro não se importa – mas também não se espera outra coisa de um homem que chegou a desejar a morte violenta de 30 mil brasileiros.

Em três anos, Bolsonaro arruinou completamente a reputação internacional do Brasil. Já não se é mais invejado no exterior por morar no Brasil. As pessoas dizem: "Ah, Brasil, onde elegeram este louco que está destruindo a Amazônia e dizendo um monte de grosserias".

A destruição das relações internacionais do Brasil é a razão pela qual Bolsonaro não visita os EUA ou a Europa. Ninguém quer recebê-lo. Em vez disso, viaja às ditaduras árabes, onde suas piadas homofóbicas pegam bem.

O Brasil estava muito longe de ser perfeito, claro, mas havia conseguido construir coisas notáveis em muitas áreas: Bolsa Família, Ibama, Inpe, SUS, Enem, uma reputação internacional como mediador e como um país amigável e tolerante.

O cínico Bolsonaro tem feito de tudo nos últimos três anos para destruir essas conquistas. Está em sua natureza, ele não pode evitar. Ele é como o diabo Mefisto do Fausto de Goethe. "Por isso, tudo a que chamais / De destruição, pecado, o mal / Meu elemento é, integral."

Autor: Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Publicado no DW.

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