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18 de outubro de 2019

Agrotóxico na água não é novidade, mas há outros compostos que também preocupam!

Recentemente, uma matéria jornalística repercutiu importantes informações sobre problemas na qualidade da água bruta envolvendo agrotóxicos, também preocupada com a grande liberação de novos agrotóxicos no Brasil em curso em 2019 e a eventual potencialização da degradação da qualidade de nossos mananciais com estes novos compostos lançados nos cursos de água (1).
Foto: Portal Tratamento da Àgua
Foto: Portal TratamentoFoto: Portal Tratamento da Água
Há de fato inúmeros problemas relacionados à qualidade da água bruta no Brasil para o consumo humano e, como apontado na matéria, o agrotóxico é um dos compostos responsáveis pelo aumento da degradação de sua qualidade. Mas há também preocupações com nitrogênio e fósforo (2), cianotoxinas (3), metais (4), drogas ilícitas, como cocaína, ou mesmo com remédios diversos e hormônios (5), e mais recentemente com nanopartículas (6) e plásticos (7). Para nitrogênio, fósforo, cianotoxinas e metais o tema há mais tempo é debatido e também mais estabelecido.
Para minimizar o impacto desses compostos na qualidade da água bruta e na saúde pública há soluções. Primeiro, controlar os usos dos espaços, pois não se deve permitir qualquer uso em qualquer micro bacia, já que o descontrole no uso potencializa o comprometimento na qualidade da água. Em conjunto, deveria ser realizado o monitoramento da qualidade da água bruta, com ampliação do número de compostos que hoje se estuda e tem avaliado sua concentração.
Complementam os estudos testes de toxicidade com organismos, a serem realizados no laboratório, bem como em campo, no próprio manancial, o que de fato comprovará a toxicidade potencial desses compostos em situação de campo. Neste caso, é necessário alterar a legislação vigente para ampliar a lista dos compostos que hoje são monitorados e dos testes de toxicidade com organismos que também são realizados, já que muitos dos compostos listados acima, apesar de sua toxicidade potencial conhecida, não são contemplados no monitoramento oficial.
Concomitantemente, baseado em estudos de campo, é também fundamental proteger e conservar o manancial considerado em bom estado e manejar e recuperar aquele manancial que hoje se apresenta em pior qualidade (8). Meios para se fazer isso existem. Deve-se também coletar e tratar o esgoto de modo adequado, conforme a carga e qualidade do esgoto gerado, para que este atinja nível de qualidade de lançamento que minimamente comprometa o manancial.
Isto implica na ampliação do que hoje se pratica de modo rotineiro nas estações de tratamento de esgoto (ETEs), com aplicações de técnicas mais sofisticadas, como as terciárias e quaternárias, mas normalmente mais custosas. Mas a quantidade de ETEs também deve ser ampliada em número para se atingir a universalidade no tratamento de esgoto no Brasil, hoje muitíssimo aquém do adequado (9).
Esse conjunto de ações (disciplinar, monitorar, manejar, tratar e universalizar) se bem planejados e executados, sem dúvida contribuirão para minimizar e reverter a degradação da qualidade de nossas águas, com sustentabilidade, além de reduzir riscos de contaminações e de doenças. Há histórico de sucesso no Brasil (10).
No entanto, caso a gestão dos recursos hídricos siga como hoje, no futuro não haverá o que comemorar e esperar melhora na qualidade da água e do sedimento de nossos mananciais. Pelo contrário, seguiremos jogando e contaminando nossos rios e reservatórios com agrotóxicos, remédios, drogas, metais e outros novos compostos produzidos pelo homem, contribuindo para o aumento da degradação do meio ambiente como um todo.
Cabe ao poder público as ações para na prática cuidar do manancial, da água bruta, e de instalar ETEs, bem como realizar todas as análises e testes necessários, atestando a qualidade da água bruta para o uso humano, quando comparada com padrões internacionalmente aceitos.
Mas também cabe a todos fiscalizar e cobrar ações da prefeitura e do estado, visando garantir os interesses e a saúde da população. Vale reforçar que a presença desses compostos nas águas brutas abre a possibilidade real de suas presenças nas águas entregues em nossas torneiras, como já detectados (11), o que deve ser evitado a todo custo, decorrente das incertezas de seus efeitos na saúde humana no longo prazo, mesmo em baixíssimas concentrações.
Referências:
    2-   Compartimentalização e qualidade da água: o caso da Represa Billings
http://periodicos.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/bioikos/article/viewFile/2522/1864 
    3-   Cianobactérias/cianotoxinas: Procedimentos de coleta, preservação e análise
https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/janeiro/19/cianobacterias-cianotoxinas-2...pdf 
    4-   Avaliação da composição química de águas do Sistema Guarapiranga: estudo de caso nos anos de 2002 e 2003
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422007000500018&lng=en Impact of copper sulfate application at an urban Brazilian reservoir: A geostatistical and ecotoxicological approach
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969717317990 Biodisponibilidade de metais no sedimento de um reservatório tropical urbano (reservatório Guarapiranga – São Paulo (SP), Brasil): há toxicidade potencial e heterogeneidade espacial?
https://geobrasiliensis.emnuvens.com.br/geobrasiliensis/article/view/364 
    5-   Ecological and toxicological responses in a multistressor scenario: Are monitoring programs showing the stressors or just showing stress? A case study in Brazil
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969715301431 Occurrence of cocaine and benzoylecgonine in drinking and source water in the São Paulo State region, Brazil
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S004896971632263X Anthropogenic contaminants of high concern: Existence in water resources and their adverse effects
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969719331651 
    6-   Nanoparticles: Environmental problems or problem solvers?
https://academic.oup.com/bioscience/article/68/4/241/4915956 
    7-   Microplastic pollution revealed ‘absolutely everywhere’ by new research
https://www.theguardian.com/environment/2019/mar/07/microplastic-pollution-revealed-absolutely-everywhere-by-new-research Water Pollution: Everything you need to know
https://www.nrdc.org/stories/water-pollution-everything-you-need-know The effect of dams on river transport of microplastic pollution
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969719305078 
    8-   Monitoramento e manejo de macrófitas aquáticas em reservatórios tropicais brasileiros
http://ecologia.ib.usp.br/portal/macrofitas/ 
    9-   Atlas Esgotos: Despoluição das bacias hidrográficas
http://atlasesgotos.ana.gov.br/ 
    10-   Efeitos de diferentes intervenções no processo de eutrofização do lago Paranoá (Brasília – DF)
https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/2882932.pdf 
    11-   Contaminantes químicos em águas destinadas ao consumo humano no Brasil
https://pdfs.semanticscholar.org/7b13/6b382c8657fd24f266502c2d2d782d701205.pdf Metais pesados, hormônios e agrotóxicos estão na água que chega às torneiras
https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2018/03/esgoto-hormonios-metais-pesados-e-agrotoxicos-estao-em-amostras-de-agua-que-chega-as-torneiras/ Contaminantes emergentes podem ser uma ameaça na água para consumo humano
https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/32796742/contaminantes-emergentes-podem-ser-uma-ameaca-na-agua-para-consumo-humano 

Autor: Marcelo Pompêo é professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da USP.

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