Não vamos
deixar o pavor instruir nossas escolhas
Na FIESP, quando eu tinha 27 anos e
era vice do Mario Amato, convidávamos outsiders para uma conversa no bar.
Chamei o FHC, que estava na mídia com a pecha de maconheiro. Chamamos os 112
presidentes de sindicato, vieram oito. Ninguém topava falar com
"comunista". Alguns anos depois, fui ao Roda Viva para alertar contra
a eleição do Collor, queridinho passional das elites.
Recentemente, realcei que a ida das
elites à Paulista para derrubar a Dilma equivalia a "eleger" o Temer
e seus 40 amigos. Ninguém da elite quis ir às ruas para pedir antecipação de
eleições. Erraram feio, como no passado, ou como quando deram as chaves da
cidade ao Doria. Quanta ingenuidade.
Agora, estremeço ao ouvir amigos,
sócios e metade da família aceitando a tese de que qualquer coisa é melhor do
que o PT. Lá vamos nós, de novo. As elites avisaram que 800 mil empresários
iriam para o aeroporto assim que Lula ganhasse. Em seguida, alguns dos principais
empresários viraram conselheiros próximos do homem.
Sabemos que, em vencendo Haddad, boa
parte da Faria Lima e da Globo se recordará subitamente que foi amiga de
infância do Fernandinho --"tão boa pessoa, nada a ver com o Genoino,
gente!".
A reação de medo e horror da esquerda,
Ciro incluso, é ignorante. Vivemos, nós da elite, atrás de muros, cercados de
arames farpados e vidros blindados, contratando os bonzinhos das comunidades
para nos proteger contra favelados. Oras, trocar vigias com pistolas por seguranças
com fuzis é um avanço? Ou é melhor aceitar que o país é profundamente injusto e
um lugar vergonhoso para mostrarmos para amigos estrangeiros?
Vamos continuar na linha do projeto
Marginal, plantando ipês lindos para desviar a atenção do rio?
Não compartilho com os pressupostos
ideológicos do PT e —até pouco— fui filiado a um partido só, o PSDB. Nunca
pensei em me filiar ao PT, nunca aceitaria envolvimento num Conselhão de
Empresários, por exemplo.
Apenas reconheço que as elites deste
país sempre foram atrasadas, desde antes da ditadura, e nada fizeram de
estrutural para evitar o sistema de castas que se instalou.
Nenhum de nós sabe o que é comprar na
C&A e ser seguido por um segurança para ver se estamos para roubar, por
sermos de outra cor de pele. Todos nós nos anestesiamos contra os barracos que
passamos a caminho de GRU, com destino à Champs Élysées.
Este é um país que precisa de governo
para quem tem pouco, a quase totalidade dos cidadãos. Nós da elite, aliás,
sabemos nos defender. Depois do susto, o dólar cai, a Bolsa sobe, e voltamos a
crescer. Estou
começando três negócios novos neste mês.
Qual de nós quer pertencer ao clube
dos países execrados, como Filipinas, Turquia, Venezuela? É um clube
subdesenvolvido que foi criado à força, mas democraticamente, bradando
segurança e autoridade forte. Soa familiar?
Quem terá coragem, num almoço da City de
Londres, de defender a eleição de um capitão simplório, um vice-general, um
economista fraco e sedento de poder, e novos diretores de colégio militares,
com perseguição de gays, submissão de mulheres e distribuição de fuzis à la
Duterte?
Lembrem-se desta frase do Duterte, a
respeito de uma australiana violentada nas Filipinas: "Ela era tão bonita
—eu deveria ter sido o primeiro". Impossível imaginar o Bolsonaro dizendo
isso?
Colegas de elite, acordem. Não se vota
com bílis. O PT errou sem parar nos 12 anos, mas talvez quisesse e possa
mostrar, num segundo ciclo, que ainda é melhor do que o Centrão megacorrupto ou
uma ditadura autoritária.
Foi assim que a Europa inteira se
tornou civilizada. Precisamos de tempo, como nação, para espantar a ignorância
e aprendermos a ser estáveis. Não vamos deixar o pavor instruir nossas
escolhas. O Brasil é maior do que isto, e as elites podem ficar também.
Confiem.
Autor:
Ricardo Semler
Empresário,
sócio da Semco Style Institute e fundador das escolas Lumiar; ex-professor
visitante da Harvard Law School e de liderança no MIT (EUA).
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