Em
uma época em que o sol não se levanta, foi quebrado o recorde de temperaturas
positivas: 61 horas seguidas.
Não há novidade em dizer que toda a
região em torno do polo Norte –Alasca, Groenlândia, Svalbard, Rússia– está
esquentando com o dobro da velocidade do restante do planeta. O povo pode não prestar atenção, como
de hábito. Mas os cientistas sabem disso há bastante tempo, e até eles estão
surpresos com a velocidade da mudança climática por lá.
Neste inverno, o Ártico enlouqueceu.
Numa época em que o sol não se levanta, bateu o recorde de temperaturas
positivas: 61 horas seguidas. A marca anterior era de 16 horas. Se isso não for capaz de chocar o
leitor, como deveria, aqui vai outra forma de apresentar essa anomalia: o
termômetro registra 10°C a 20°C acima do que seria normal para a estação.
Na semana que passou, choveu em
Svalbard, a meros 1.300 km do polo, onde é no mínimo incomum chover no inverno.
A temperatura subiu a 3°C, enquanto a Europa mergulhava na onda de frio que se
apelidou de Fera do Leste.
O mar ao norte da Groenlândia ficou
livre de gelo, outra raridade num mês de fevereiro. Especialistas acompanham
por satélite a extensão do gelo marinho –a famosa calota polar– e vêm medindo
em 2018 a menor cobertura durante o inverno. Há boas razões para crer que se
iniciou uma reação em cadeia.
Com a sucessiva redução da calota nas
últimas décadas, o gelo que sobra de um ano para outro torna-se cada vez menos
espesso. Ele se quebra e dispersa rápido sob a ação de tempestades mais
frequentes e poderosas, vindas do sul, que levam ar quente para as imediações
do polo.
O gelo, branco, reflete grande parte
da luz do sol (diz-se que ele tem um albedo alto). Já a água do mar exposto
quando a calota desaparece, escura, absorve radiação e se aquece. Menos gelo se
forma, e assim por diante.
Alguns pesquisadores preveem que em
breve o Ártico ficará livre de gelo no verão. Consideram o processo
irreversível nos próximos séculos. Seria o “novo normal”, expressão que se
populariza. Habitantes de outras partes do planeta
talvez considerem que a transformação do Ártico pouco afeta suas vidas. Quando
muito se compadecem do destino dos ursos polares, coitadinhos, que precisam da
calota polar para caçar focas desavisadas.
Estão errados. O clima global é um
sistema todo interconectado. O que acontece no Ártico não fica no Ártico. A muralha de ar enregelante que se
assenta sobre o polo ganha buracos, por onde escapam massas de ar frio que
turbinam os invernos rigorosos na América do Norte e na Europa. Há evidências
de que a mudança do clima ártico desencadeia as secas que assolam a Califórnia,
por exemplo.
Quem circula pelas ruas de Oslo vê uma
quantidade enorme de carros elétricos. Na Alemanha, cogita-se banir os carros a
diesel de Stuttgart, cidade natal da Daimler Benz. A Índia segue o caminho da China e
começa a rever o consumo de carvão. Para tanto, passa a investir pesado em fontes
alternativas de energia, eólica e solar.
O mundo está mudando, embora não no
ritmo necessário. Enquanto isso, o Brasil anda para trás. O desmatamento, ainda a nossa maior
fonte de emissões de gases do efeito estufa, dá sinais de recrudescer –e o
Supremo Tribunal Federal, mesmo assim, chancela um Código Florestal que
anistiou quem devastou floresta ilegalmente.
Atrasos têm consequências funestas,
aprenderemos logo.
Marcelo
Leite - É repórter especial da Folha, autor dos livros 'Folha Explica Darwin'
(Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp). Escreve aos domingos e às
segundas.
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