Mais uma vez o Brasil é retardatário.
Ainda estamos com os dois pés no século 20, tentando responder a uma agenda de
reformas necessárias que há tempos deveria ter sido equacionada. A velha
polarização esquerdo-direita, um anacronismo reduzido à insignificância em
países como a França e a Alemanha, ainda dá o tom na política brasileira.
A Europa e os Estados Unidos
concentram suas energias na corrida da inovação e em busca de respostas para os
desafios de um mundo em intensa transformação. Estão focados na Quarta
Revolução Industrial e no mundo novo que virá a partir da disseminação da
inteligência artificial e da robótica.
Já as nossas estão voltadas para fazer
a reforma de uma previdência estruturada quando estávamos na era da segunda
revolução industrial, com produção intensiva de mão de obra. Também pensamos
reformar o sistema tributário com os olhos focados no retrovisor, sem levar em
conta as alterações no modo de produzir e de como a sociedade vai se estruturar
com as mudanças advindas da neorrevolução tecnológica.
Certamente, não estamos respondendo
como será o sistema tributário da sociedade do “não-trabalho” e qual será o
sistema de proteção social para o imenso exército dos sem-trabalho. O desafio,
portanto, será bem maior do que o de ter um sistema previdenciário
exequível.
Não se pode reagir diante da robótica
e da inteligência artificial da mesma maneira da classe operária inglesa
descrita por Engels. Nos meados do Século XIX operários destruíam máquinas para
impedir a substituição da manufatura por máquinas industriais.
Em todas as eras as revoluções
tecnológicas trouxeram enormes benefícios para a humanidade. Não será diferente
com a Quarta Revolução. Sem dúvida, impactará, e para melhor, em nossas vidas.
Surpreendentemente foi Luciano Huck
quem fez uma boa provocação por meio do artigo “Tá Ligado?” publicado
recentemente no jornal Folha de S. Paulo. Ali ele dá uma pálida ideia do
admirável mundo novo que se anuncia: “sim, os carros serão autônomos muito em
breve. Sim, o córtex humano estará conectado à nuvem. Sim, vamos poder fazer
download de nossa memória. Sim, vamos usar minérios vindos do espaço. Sim, você
poderá escanear seu corpo em casa, gerando um diagnóstico imediato. Sim, a
inteligência artificial é uma realidade e irá engolir o mundo”.
De fato, haverá enormes ganhos para a
humanidade. Pela primeira vez está dada ao homem a possibilidade de se livrar
do trabalho enfadonho e repetitivo, podendo direcionar sua energia e tempo para
a sua realização pessoal.
Nos meados do século XIX, quando a
jornada de trabalho era de 12 horas, o escritor e jornalista francês Paul
Lafargue escreveu sua obra polêmica “O Direito à Preguiça”. Pois bem, não estão
distantes os dias em que o homem poderá usufruir desse direito sem ter a sua
sobrevivência ameaçada.
A globalização iniciada nas últimas
décadas do século passado retirou centenas milhões de pessoas da linha da
pobreza e democratizou o consumo tornando os produtos acessíveis para camadas
antes excluídas do mercado de massas. Esse processo se intensificará em escala
exponencial com a Quarta Revolução Industrial. A massa de riqueza gerada será
suficiente para resolver as crises humanitárias e para financiar um mundo
ambientalmente sustentado.
Mas como as revoluções industriais
antecedentes, a Revolução 4.0 também terá seus impactos negativos. A
robótica e a inteligência artificial substituirão 47% da mão de obra
tradicional. O novo desafio é o que fazer com esse exército de deslocados,
tanto para dar sentido a suas vidas, como para garantir a sua sobrevivência.
Propostas antes tidas como lunáticas
são debatidas no santuário da inovação tecnológica, o Vale do Silício.
Mentes arejadas como a de Bill Gates apontam a tributação dos robôs como um dos
caminhos para o financiamento da alocação do contingente dos “sem-trabalho” em
outras atividades sociais. A ideia da renda mínima universal é experimentada na
Finlândia é admitida por políticos antenados como o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso.
O grande desafio para as próximas
décadas é definir como serão repartidos os benefícios gerados pela robotização
e pela inteligência artificial. Com elas, estarão criadas as condições
objetivas não apenas para o homem se livrar do trabalho pesado e repetitivo.
Também estarão dadas as condições para a conquista da igualdade, bandeira que a
humanidade persegue desde a Revolução Francesa.
Nesse quadro a questão da distribuição
da riqueza é o grande objetivo a ser perseguido na primeira metade do século
21, assim como a democracia foi o grande valor que se afirmou ao final do
século 20.
Não se trata de um simples retorno ao
Estado de Bem-Estar Social, pois isto seria inexequível. Mas de reinventá-lo
nas condições da sociedade do conhecimento. Por aí o admirável mundo novo
poderá ser o reino da prosperidade, da liberdade e da felicidade.
Autor:
Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP).
Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi
secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo.
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