A tragédia da ciclovia, uma obra de R$
45 milhões que havia sido classificada como legado olímpico e cartão-postal
dos Jogos, é um retrato 3x4 da esculhambação do país. Ali, naqueles metros que
desabaram três meses após a inauguração, em 17 de janeiro, estão reunidos
muitos pecados capitais. Não foi só crime de homicídio, com a morte de duas
pessoas inocentes, diante de uma das vistas mais belas do Brasil, na Avenida
Niemeyer.
Pedalamos num mar de crimes de
responsabilidade, num deserto de homens públicos (e mulheres públicas)
decentes. Não sabem o que é decoro, recato, pudor – ou compromisso. Na queda da
Ciclovia Tim Maia, a ressaca é a única inocente. Análises de primeira hora
apontam negligência no projeto. Possível corrupção e superfaturamento. Imperícia.
Falta de estudos sobre o impacto das ondas num costão. Falta de fixação da
pista às vigas. Falta de uma das duas vigas que constavam no projeto da
Geo-Rio! Falta de sistema de prevenção por não interditar a ciclovia em dia de
ressaca. Falta de nomes assinando o projeto. Falta de fiscalização. Falta de
parafusos!
Não é isso que vivemos em grande
escala no país? Uma ressaca moral de imensa magnitude. Uma onda excepcional de
corrupção que mina as contas públicas, os serviços públicos, o dia a dia da
população, dos ativos e inativos, aposentados e pensionistas. O que se espera
de uma gestão responsável? Que esteja apoiada em pilares, assim como a
ciclovia.
Concordo com um artigo assinado em O
Globo pelo consultor José Vidal: “Os pilares da governança corporativa são
justiça e equidade, transparência, prestação de contas e respeito às normas
reguladoras”. Foi pela falta de todos esses pilares, sem sustentação possível,
que desabou o governo da presidente Dilma Rousseff, levando junto milhões de
vidas em penúria.
A força do mar foi subestimada e por
isso a ciclovia caiu? Sim. Mas foi isso e mais um pouco. A Contemat e a
Concrejato, empresas do grupo Concremat que construíram a ciclovia agora
amaldiçoada, pertencem à família do secretário municipal de Turismo do Rio de
Janeiro, Antônio Figueira de Melo – um dos principais auxiliares do prefeito
Eduardo Paes. Na gestão Paes, segundo o jornal Folha de S.Paulo, a empresa
multiplicou por 18 o valor de contratos com a prefeitura do Rio. Melo,
tesoureiro de Paes, diz ser “infundado e leviano” ligar seu nome aos negócios
da Concremat, fundada por seu avô e presidida por seu tio.
Quem viu o desastre disse que a onda
levantou a ciclovia como se fosse à tampa de uma caixa de isopor. Quando se vê
o péssimo estado de uma série de obras realizadas para os Jogos Pan-Americanos
de 2007, pensamos o que falta mais para o Brasil deixar de ser megalomaníaco.
Faltam parafusos na cabeça de nossos gestores. Sobram trincas, rachaduras,
afundamento na Vila do Pan, ameaças de desabamento dos estádios – como o
Engenhão, fechado para reforma. Tudo faz parte do mesmo quadro.
Cinco meses depois da maior tragédia
com barragens no mundo, o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, Minas
Gerais, que destruiu o distrito de Bento Rodrigues, o que vimos na semana
passada? A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ)
decidiu revogar a lei ambiental que regulamentava, em tese, o licenciamento das
obras públicas. A proposta do Senado é autorizar a obra a partir de um Estudo
de Impacto Ambiental do empreendedor para garantir a “celeridade... em obras
públicas sujeitas ao licenciamento ambiental”. Já foi apelidada de “Fábrica de
Marianas”.
Faltam parafusos, faltam pilares. Como
pode o governador mineiro Fernando Pimentel contratar como secretária de Estado
do Trabalho e Desenvolvimento Social a mulher, Carolina Oliveira, investigada
por corrupção pela Polícia Federal, dando a ela foro privilegiado? Como pode
esse inacreditável ministro do Turismo Alessandro Teixeira, o marido da miss bumbum,
contratar a tia da mulher como secretária na Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial, pagando R$ 19.488,60 de salário? Como pode a
presidente Dilma Rousseff arrombar ainda mais o caixa da União para
inviabilizar qualquer eventual sucessor?
Uma primeira medida para moralizar o
país seria acabar com a reeleição de presidentes da República. Uma segunda
medida seria acabar com o foro privilegiado. Uma terceira medida seria
desmontar o cabide de cargos de confiança e o malfadado nepotismo. Uma quarta medida
seria reduzir à metade a máquina do Estado. Uma quinta medida seria acabar com
as aposentadorias integrais de representantes do povo.
Falta saneamento básico ao exercício
da política. Sem pilares de sustentação, cai a ciclovia chamada Brasil. É preciso
reconstruir sobre bases muito mais sólidas.
Ruth de Aquino é colunista da Revista Época - Publicado em 01/05/16.
Ruth de Aquino é colunista da Revista Época - Publicado em 01/05/16.
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